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A pequena glória e grande miséria do amor unilateral

Uma das piores coisas que podem acontecer a um coração apaixonado é um amor unilateral.

Há uma vasta escala no amor unilateral. A vítima dele pode encontrar, no ser amado, indiferença ou desprezo, e talvez seja este o melhor cenário no caos e no drama amoroso dos amores unilaterais.

A absoluta ausência de resposta amplia mas ao mesmo tempo encurta o sofrimento. Nenhuma esperança é melhor que uma dose humilhante de esperança nas questões românticas.

Quando eu era adolescente, tive uma queda unilateral por uma loirinha da classe. Eu mais a escola toda, incluídos serventes e professores, e se não me engano o vendedor de cachorros quentes.

Uma vez, liguei para ela. Estava trêmulo, meus dedos mal acertavam os números anotados num caderno e mais fortes ainda na minha alma, hesitei e afinal ouvi o sinal de que o telefone tocava em sua casa simples e germinada de menina de classe média de Pinheiros.

Ela atendeu. “Sou eu, o Fabio.” A resposta massacrou minhas esperanças. “Que Fabio?” Se eu não era sequer o primeiro Fabio em sua agenda, que expectativas eu poderia ter?

Desliguei decepcionado. Era um interesse unilateral extremo, e isso, se não me permitiu sonhar acordado, ao mesmo tempo me fez riscar imediatamente aquele número de telefone de meu caderno e, mais importante, de minha alma.

Uma moreninha que eu conhecera no clube foi bem mais receptiva, e tive com ela passagens que lembro vividamente ainda hoje, tanto tempo depois. Mais que tudo, o beijo numa pilastra no ginásio em que dois conjuntos tocavam alternadamente, um em cada ponta.

Meu primeiro beijo de língua, gloriosamente interrompido por um segurança que zelava pelo bom comportamento dos adolescentes nos bailes de domingo no clube. Um toque nas costas, não forte o bastante para doer, mas nem tão fraco que eu pudesse confundir com uma explosão braçal dela.

Fiquei orgulhoso. Se era algo que o segurança achara que devia brecar é porque era um beijo de verdade, embora, sinceramente, não lembre se pus língua para fora e nem se ela tirou a sua na busca da minha.

O amor unilateral, quando encontra uma resposta que não seja o desinteresse total, é cruel como um cossaco russo e ríspido como um cigano búlgaro. Vi um caso desses num filme a que assisti recentemente, 500 Dias com Ela.

Antes de me estender uma observação: no capítulo homem e mulher se encontram e desencontram com diálogos e canções incríveis, não há nada que se compare a Annie Hall, de Woody Allen, e Harry & Sally, aquele em que Meg Ryan simula um orgasmo berrante numa lanchonete, uma cena clássica do cinema de todos os tempos.

Isto dito, é um bom filme, 500 Dias. Há nele instantes de alta inspiração. A cena em que o apaixonado vai a uma festa em que reencontrará a namorada perdida é brilhante no uso de duas imagens simultâneas. Numa delas você vê a expectativa dele, e na outra a realidade.

O cara era vítima do amor unilateral em sua pior manifestação, aquela em que você comparece com 95% do amor do casal e ela 5%, e com isso você arrasta as ilusões muito além do razoável.

O quadro que melhor ilustra essa situação é o seguinte: no exato instante em que você está imerso em lembranças românticas, ouvindo Tony Bennett cantar Stranger than Paradise, ela está rumo ao terceiro êxtase com um cara que é uma grife italiana.

E então o desiludido do filme sofre 500 dias, com pequenos lapsos de alegria, entre os quais o mais interessante é o dia seguinte ao primeiro sexo com ela, em que ele caminha pelas ruas como um super-homem, cumprimentando todo mundo, dando passos de dança.

Se ela tivesse simplesmente rejeitado o cara, ele teria encontrado a garota certa, aquela do fim, muito antes. Ali ficou clara a possibilidade do amor bilateral, embora o filme termine antes do primeiro café que os dois tomam.

Se não chega às alturas de Annie Hall e Harry & Sally, 500 Dias presta um serviço aos amorosos ao mostrar o abismo de dor que se encerra no amor unilateral em que um entra com quase tudo e o outro com quase nada, e é isso, pegar ou deixar.