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As maiores mãos de Doyle Brunson, a lenda viva do poker

Pedro Nogueira Editor-Chefe

Se existe um jogador de poker que merece o título de lenda viva, este homem é Doyle Brunson. Aos 84 anos, o texano é uma ponte entre duas gerações. Ele iniciou sua carreira nas cartas na década de 1950, quando o poker ainda tinha um quê de velho oeste, e até hoje joga high stakes com garotos vindos do poker online.

No começo Doyle, assim como seus parceiros, jogava armado à mesa. Não raramente, uma gangue de mascarados invadia a casa para fazer um arrastão. Isso sem contar a possibilidade de a polícia chegar, levar todos os jogadores à delegacia – e confiscar os seus cacifes.

Na época, não existia poker online ou os torneios agora consagrados, como a World Series of Poker (WSOP). O combustível do carteado era o cash game, sediado em quartos de hotel, bares ou salões de sinuca.

Dos grandes jogadores desse período, Doyle é o único que continua firme. Muitos deles pararam ou morreram cedo; o estilo de vida naquele tempo não era nada saudável. As maratonas de poker duravam três, quatro dias. Às vezes, semanas ou meses, com pausas apenas para um cochilo.

Um exemplo: em 1949, Johnny Moss e Nick “The Greek” Dandalos duelaram durante cinco meses ininterruptos em Las Vegas, só parando para dormir. Era motivo de glória e orgulho aguentar longas sessões. Claro que isso cobrava um preço na saúde.

Quanto a Doyle, ele soube se reinventar ao longo dos anos. O “Padrinho do Poker”, como o chamam, é autor de alguns dos melhores livros já lançados sobre o tema. Sua obra-prima Super System é tida com a Bíblia dos jogadores; e a sequência, Super System 2, também fez sucesso.

Entre seus vários títulos publicados, um dos mais interessantes é Minhas 50 Mãos Mais Memoráveis, de 2007 (sem edição em português). Como o nome sugere, trata-se de uma compilação de suas jogadas marcantes.

Joguei milhões de mãos desde que me tornei profissional há 50 anos”, ele escreve no prefácio. “Fui abençoado com uma ótima memória. Conforme ficamos velhos, vivemos muito de nossas lembranças. Sinto-me sortudo de ainda estar jogando e criando mais delas.”

Decidi, então, selecionar as quatro histórias que mais me chamaram a atenção. Assim como Doyle diz no livro, “espero que vocês se divirtam com as histórias – e lucrem com algumas delas”.

Mão Memorável #10 – Morte na mesa

“No começo da minha carreira”, conta Doyle, “havia um jogo de poker em todos os bares, hotéis e salões de bilhar na Av. Exchange, em Ft. Worth, no Texas. Foi lá onde joguei minha maior sessão, de cinco dias e cinco noites sem dormir. Eu só parava para comer e ir ao banheiro.”

“No quarto dia de jogo, estávamos jogando No-Limit Lowball de ás a cinco [a menor mão puxa o pote, sendo o nuts A2345]. Um amigo meu, Virgil, estava tomando pílulas e bebendo muito para ficar acordado. Me envolvi num pote com ele, tendo essa mão: A235K.”

“Apostei, ele repicou e eu paguei. Troquei uma carta [como no poker fechado, há uma troca] e peguei um 7. Apostei e ele botou todas as fichas na mesa. Paguei. Quando abri a minha mão, Virgil olhou e disse: ‘Não tenho um cinco na minha’. Então abriu A2347.”

“Ele tomou um gole de uísque e, quando esticou o braço para pegar as fichas, morreu ali mesmo. Foi então que descobri como os jogadores poker podem ser frios. Todos nós conhecíamos Virgil há anos e havíamos jogado com ele várias vezes. Depois que os paramédicos levaram o corpo, resumimos a partida e jogamos por mais 24 horas.”

Doyle: A2357
Virgil: A2347

Mão Memorável #14 – Prejuízo de US$ 1 milhão

“O Eagle’s Club, uma organização fraternal em Odessa, no Texas, era um dos melhores lugares para se jogar poker no estado”, escreve Doyle. “Quando ouvi dizer que havia um bom jogo de high stakes em andamento por lá, dirigi 800 quilômetros para entrar na partida.”

“A grande atração era o dono de uma rede de lojas de bebida chamado ‘Pinky’ Rhoden, muito rico. O problema era que Rhoden sempre deixava o jogo depois de ganhar um pouco. Minha missão era fazê-lo perder no começo para que ele jogasse, depois, por um longo período de tempo.”

“Após algumas horas, ele estava empatado e eu havia triplicado meu cacife de US$ 10 mil. Foi quando peguei A♣4♣. Apostei, Rhoden subiu e paguei. O flop veio assim: K35. Ele apostou tudo. Ou seja, eu precisaria colocar US$ 27 mil dólares em adição aos US$ 3 mil que já tinha posto na mesa.”

“Eu imaginava que ele tinha trinca de reis. Mas eu sabia que, se ele perdesse a mão, poderia se queimar e perder muito dinheiro depois. Paguei e ele mostrou KK. Rhoden, achando suspeito eu pagar numa pedida, quis cortar o baralho. Não objetei. Depois de ele cortar, o dealer virou o 7 e o 9♣, completando meu flush.”

“Normalmente eu não teria pagado a aposta. Mas meu objetivo foi atingido. Rhoden continuou no jogo por uma semana seguida e perdeu mais de US$ 1 milhão. Metade disso veio parar no meu bolso. Às vezes você precisa arriscar para maximizar o seu lucro.”

Doyle: A♣ 4♣
Rhoden: K K
Board: K♣ 3♣ 5 7 9♣

Mão Memorável #24 – Hostilidade e faca na mesa

“Eu estava em Mobile, Alabama, jogando No-Limit Hold’em depois da minha vitória na WSOP de 1974”, narra Doyle. “Fui convidado para um jogo privado numa casa que lembrava uma festa de Halloween. Senti-me totalmente deslocado, mas ouvi dizer que o jogo era bom e a ganância é um ótimo motivador.”

“Na casa havia alguns dos sujeitos mais estranhos que já vi em minha vida. Mas realmente havia muito dinheiro na mesa e a ação era inacreditável. O problema é que aquele se revelou o jogo mais hostil no qual já entrei. Parecia que aqueles caras queriam beber o meu sangue.”

“Eu estava ganhando alguns milhares de dólares e sendo tratado muito rudemente. Eu queria ir embora, mas estava preocupado que isso pudesse causar um grande problema. Até que me envolvi num pote com um jogador particularmente abusivo chamado Capitão John.”

“Eu tinha 5♣4♣. O flop veio A♣K♣7♣ e o capitão apostou. Paguei. A quarta e quinta cartas foram 2 e 6. Ele apostou tudo, mais de US$ 10 mil. Estudei o lance por um momento e paguei. Ele anunciou ‘flush’, sem mostrar as cartas. Respondi ‘é bom’. Rindo, ele abriu 2♣3♣ e foi em direção ao dinheiro. Aí disse: ‘Desculpa, eu tenho um flush com cinco. Achei que o seu era maior.’”

“O rosto do Capitão John ficou vermelho. Ele tirou uma faca do bolso e veio na minha direção. Para a minha sorte, alguém o parou. Aí pedi licença, peguei meus US$ 25 mil e entrei no primeiro voo de volta à civilização. Nunca mais falei ‘é bom’ sem antes ver a mão do adversário depois disso. Sugiro que você também não o faça.”

Doyle: 5♣ 4♣
Capitão John: 2♣ 3♣
Board: A♣ K♣ 7♣ 2 6

Mão Memorável #37 – Erro fenomenal do dealer

“Uma das vantagens de jogar poker online é que isso elimina os erros do dealer”, escreve Doyle. “Não há nada mais insuportável do que um erro que custa muito dinheiro a você. Uma vez eu estava jogando No-Limit Lowball de dois a sete [o nuts é 23457].”

“Havia uma convenção em Las Vegas e a ação estava forte. Eu e um profissional forte do Tennessee, James Roy, começamos um jogo que já estava no terceiro dia. Nós dois ganhávamos bastante e, como havia patos na mesa, estávamos evitando nos enfrentar em grandes potes.”

“Perdi dois potes seguidos para um sujeito de Illinois, que estava jogando como louco, e senti um calor dentro de mim. Na mão seguinte, fiz algo que nunca faço: olhei uma por uma as cartas que estavam sendo distribuídas para mim. Recebi 2357 e fiquei muito animado.”

“Espremi e última carta e – sim –, era um quatro. Minha mão era imbatível. Para o meu horror, o dealer continuou distribuindo cartas e, antes que eu pudesse o impedir, a jogada foi anulada. Eis que Roy dá um grito e abre 23467, a segunda mão mais forte possível. Eu teria ganhado todo o seu dinheiro. Levantei da mesa e, enojado, fui embora.”

Doyle: 23457
James Roy: 23467

Apenas de “My 50 Memorable Hands” não ter edição em português, é possível comprar na Amazon uma versão digital para o Kindle. Se você gosta de poker, realmente vale a pena.