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As indicações de 2015 escancararam o preconceito em Hollywood

Mal saiu a lista de indicados ao Oscar desse ano e já começaram as denúncias de que a Academia seria racista e machista. As denúncias se baseiam principalmente no fato de ter havido menos indicações do que se esperava para Selma e Garota Exemplar.

O primeiro, filme sobre a luta de Martin Luther King contra o racismo, tinha boas chances de indicar um homem negro na categoria de Melhor Ator e mais ainda de indicar uma mulher negra na categoria de Melhor Diretor(a). Acabou sendo indicado “apenas” a Melhor Filme e Melhor Canção Original. O segundo, escrito e protagonizado por uma mulher, nem isso conseguiu: foi indicado apenas a Melhor Atriz.

Mas as vitórias recentes de 12 Anos de Escravidão e de Kathryn Bigelow por Guerra ao Terror deixam algumas pessoas na dúvida. Seria a Academia racista e machista ou não?

Porém, nesse texto, eu quero me focar na questão de gênero. Vamos analisar as contradições dos indicados deste ano.

O MACHISMO EM 2015

Nem Ava DuVernay (por Selma) nem Angelina Jolie (por Invencível), duas fortes concorrentes, foram indicadas à categoria de direção. O esnobe a Jolie está longe de significar alguma coisa, sendo que ela era muito mais cotada antes da estreia de seu filme, com recepção não tão favorável quanto se esperava.

Já Ava realmente era bem cotada para integrar a lista, mas já se sabia que ela tinha grandes chances de perder a vaga, até porque o filme teve problemas com seus screeners (cópia digital do filme enviada para os votantes), o que o deixou de fora de quase todas as premiações de sindicatos.

Já o caso de Garota Exemplar é mais estranho. O filme era bem cotado para concorrer a Melhor Diretor, Filme, Montagem, Trilha Sonora e, principalmente, Melhor Roteiro Adaptado. Mas fora Melhor Roteiro Adaptado, todas as outras indicações teriam ido para homens e, mesmo assim, o filme não conseguiu.

O esnobe a Gillian Flynn, escritora do livro e roteirista do longa, com certeza foi o mais sentido, e a única indicação foi para Atriz, onde, se não fosse Rosamund Pike, teria que entrar outra mulher, ou seja, em caso de machismo, não haveria como escapar de uma indicação feminina.

Porém, talvez (veja, talvez) a Academia tenha ignorado o filme justamente para se livrar da polêmica de indicar uma obra que foi acusada de machismo.

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Gillian Flyn e Reese Witherspoon, que atuou como produtora em Garota Exemplar

No entanto, mais possível, na verdade, talvez seja que os votantes não gostem muito do diretor David Fincher. Seus filmes só conseguiram chamar realmente a atenção da Academia quando claramente eram um dos dois favoritos do ano e seria um absurdo ignorá-los, casos de O Curioso Caso de Benjamin Button e A Rede Social.

Recentemente, seu Os Homens Que Não Amavam as Mulheres perdeu a vaga na categoria principal para um inesperado Tão Forte e Tão Perto. Aliás, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres também tinha uma forte personagem feminina que também foi indicada a Melhor Atriz.

Então talvez o problema da Academia seja reconhecer que Fincher possa fazer bons filmes com fortes personagens femininas.

Além disso, filmes que não traziam mulheres como diretoras, roteiristas ou protagonistas também foram esnobados, como O Abutre e Uma Aventura Lego.

Tá, então os esnobes às mulheres, esse ano, talvez (mais uma vez, talvez) não tenham a ver com o machismo (embora, repetindo, a ausência de Gillian Flynn na lista de indicados seja absurda), mas isso quer dizer que a Academia não é machista?

Obviamente não é tão simples assim. Vamos deixar de lado 2015 e analisar o histórico da premiação.

O QUE A HISTÓRIA DIZ

Peguemos, por exemplo, as indicações femininas a categorias importantes. Apenas quatro vezes uma mulher foi indicada como Melhor Diretora. Ava DuVernay poderia ter sido a quinta. Ou então Kathryn Bigelow poderia ter conseguido sua segunda indicação, em 2013, por A Hora Mais Escura, mas foi espantosamente esnobada. Porém, nesse caso, vale lembrar que, no mesmo ano, Ben Affleck, diretor do filme vencedor do prêmio principal, também foi esnobado.

Nas categorias de roteiro, mais de 90 mulheres já conseguiram a indicação. O número é baixo até, contudo, ainda mais espantoso é perceber que em apenas 35 ocasiões elas não eram corroteiristas com algum homem.

E ganhadoras? Menos de 5% dos filmes ganhadores do Oscar de Melhor Roteiro (Original ou Adaptado) foram escritos apenas por mulheres, enquanto mais de 90% foram escritos apenas por homens.

O que é até “normal”, considerando que um estudo feito em 2012 mostrou que 77% dos votantes da Academia eram homens. Aliás, a atual presidente, Cheryl Boone Isaacs, ganhou o cargo em 2013, 30 anos e 10 presidentes após a última mulher.

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Cheryl Boone Isaacs, atual presidente da Academia

Mas não é só a Academia que é machista. A indústria cinematográfica como um todo (Hollywood em especial) o é.

Por exemplo, as quatro diretoras que já disputaram o Oscar representam menos de 1% de todos os indicados na categoria, enquanto um estudo feito sobre as 250 maiores bilheterias estadunidenses de 2013 mostrou que 6% dos filmes eram dirigidos por mulheres. Um número bem maior, mas ainda absurdamente pequeno.

E outro estudo parecido, feito com os filmes presentes em 23 festivais, apontou as mulheres dirigindo 18% dos longas de ficção. Repito o comentário anterior: um número bem maior, mas ainda absurdamente pequeno.

E se o número já é pequeno no cargo de direção, é menor ainda no de direção de fotografia. O mesmo estudo sobre os 250 filmes de 2013 chegou ao resultado de apenas 3% de fotógrafas. E entre diretores, roteiristas, produtores, produtores executivos, diretores de fotografia e montadores, 36% dos filmes empregavam menos de 2 mulheres (contra 1% empregando a mesma quantidade de homens) e apenas 2% empregavam entre 10 e 13 mulheres (contra 32% com homens).

Mas não é apenas atrás das câmeras que Hollywood se mostra machista. E nem preciso ir até a temática ou o discurso dos filmes para falar disso.

Um outro estudo, feito pela mesma Martha M. Lauzen, pela San Diego State University, sobre as 100 maiores bilheterias de 2011, mostrou que 11% dos filmes eram protagonizados por mulheres, contra 78% protagonizados por homens e mais 11% com protagonismo dividido entre ambos os gêneros.

Se pegarmos os indicados a Melhor Filme nos últimos 10 Oscars, o número é bem pouco mais animador. De 75 filmes, 13 (17%) tinham mulheres no papel principal, 51 (68%) tinham homens e 11 (15%) tinham homens e mulheres.

Nesse ponto, esse ano de 2015 representa um ápice negativo. Entre os 8 indicados, apenas uma mulher no papel principal, e dividindo o protagonismo com um homem. E como é sabido e até alvo de muitas piadas nas premiações, o quadro é ainda pior para as atrizes com mais de 40 anos.

Mas há uma maneira de mostrar que isso é ainda mais preocupante do que parece. Em 1985, uma personagem de um quadrinho da cartunista Alison Bechdel dizia que só via um filme se ele seguisse três regras simples:

  1. Ter pelo menos duas mulheres
  2. Elas conversarem entre si..
  3. … sobre algo que não seja um homem.

Logo, o ato de conferir se algum filme seguia essas 3 regras ficou conhecido como Teste de Bechdel, com o acréscimo em alguns casos de outra regra: as tais duas personagens femininas deveriam ter nome.

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Em um site com, atualmente, 5724 filmes catalogados, menos de 60% passam no teste, mas dependendo da lista que se for analisar a porcentagem pode cair consideravelmente, como na sessão que o mesmo site fez com os 250 filmes mais bem avaliados pelo IMDb, à época. Quase 70% falhavam. E mais de 550 dos filmes catalogados no site não respeitam nenhuma sequer das três regras. Três regras tão simples, tão banais…

Claro, o simples fato de um filme passar no teste não significa que ele não é machista, assim como o simples fato de um filme não passar no teste também não significa que ele seja – existem vários outros motivos para um filme passar ou não. Mas os números, num geral, indicam bastante do machismo existente na indústria do cinema.

Não importa o ângulo pelo qual se olhe. O cinema, em especial os filmes mais populares e, talvez, mais especialmente ainda, a Academia, é bastante machista. E obviamente isso é também reflexo da sociedade em que vivemos.

Mas, como diz Geena Davis, atriz e fundadora do Geena Davis Institute on Gender in Media (algo como “Instituto Geena Davis sobre Gênero na Mídia”), “Você não pode estalar seus dedos e de repente metade do Congresso é mulher. Mas tem uma categoria onde a baixa representatividade de mulheres pode ser consertada amanhã: nas telas”.

Portanto, no dia em que vivermos num mundo igualitário, Hollywood também o será. Mas enquanto isso não acontece, já ajudaria alguma coisa se o cinema não fosse tão desigual.