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Interestelar é a obra mais sensível de Christopher Nolan

Sou um grande fã dos longas de Christopher Nolan. Admito que não vi Following (1998) ou Insônia (Insomnia, 2002), mas todos os outros são filmes acima da média. Saem do padrão comum, são complexos, chamam o espectador a refletir. São filmes para serem vistos e revistos, e serem entendidos cada vez com mais profundidade em suas questões, seus dilemas e até permitem novas leituras sobre eles.

Além disso, Nolan é, provavelmente, o cineasta vivo que mais consegue agradar publico e crítica, ao mesmo tempo.

Porém, o diretor também tem seus defeitos.

Considero Amnésia (Memento, 2000) um filme bem redondo, sem nada que eu possa falar contra. Sua obra mais modesta, entre as que vi, – apesar de bastante ousada – é, talvez exatamente por isso, sua melhor, na minha opinião.

Mas Batman Begins (2005), O Grande Truque (The Prestige, 2006), Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), A Origem (Inception, 2010), Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, 2012) e Interestelar (Interstellar, 2014), suas megaproduções, sofrem de problemas muitos parecidos. Problemas que não são poucos, mas que, normalmente, acabam sendo encobertos por uma avalanche de pontos positivos.

São filmes ambiciosos, com propostas que vão além da média de Hollywood, e com tramas complexas. Talvez, complexas até demais. Tenho a impressão de que Nolan parte de grandes ideias e tenta torná-las maiores que o saudável, perdendo-se um pouco em sua própria complexidade. O limbo, em A Origem, para mim, é o caso mais claro disso.

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Recorrente também é sua confusão espacial em cena. Às vezes talvez propositadamente, outras vezes obviamente não, Nolan parece desconhecer a geografia de seus próprios cenários – ou falhar grotescamente em nos mostrá-la -, o que resulta, principalmente, em cenas de ação bastante confusas, em algumas situações.

O FILME

Dito isso, acredito que irei contra o que me parece ser a percepção da maioria e direi que Interestelar é um de seus filmes menos problemáticos e, ainda, com mais qualidades.

Por exemplo, nos dois pontos citados acima. O longa praticamente não tem cenas clássicas de ação, portanto, a deficiência de Nolan nesse aspecto torna-se menos perceptível. E ele já parte de um assunto naturalmente complexo e grandioso (a exploração e a relatividade do tempo-espaço), mas consegue permanecer dentro de limites bastante aceitáveis.

Interestelar mostra um mundo pré-apocalíptico com constantes tempestades de areia e onde pragas colaboram para o iminente fim dos recursos naturais da Terra. E Nolan faz isso com sutileza, nos apresentando apenas ao cotidiano de uma família em uma fazenda, permitindo-nos também conhecer suas importantes relações interpessoais e observar as primeiras perguntas e suas possíveis respostas.

Eis que Cooper (Matthew McConaughey), o pai da família, encontra uma base secreta da NASA, que, com a ajuda de um misterioso buraco de minhoca que surgiu perto de Saturno e que pode levá-los a outra galáxia, está em busca de algum planeta habitável.

Cooper aceita participar de uma das missões, ao lado de outros 3 astronautas e um eficiente robô com um censo de humor peculiar, deixando seus filhos – sem saber se voltará a vê-los – para tentar salvar o futuro da humanidade.

A NASA trabalha com dois planos. O Plano A consiste em acharem um planeta habitável e depois conseguirem, de alguma maneira, levar a população restante da Terra para lá. O Plano B seria, caso fosse impossível a realização do primeiro, colonizar o novo lugar com a ajuda de embriões fertilizados.

Sinceramente, acho o Plano B uma bobagem sem tamanho. Portanto, para mim, toda vez que a trama envolve a questão Plano A x Plano B, ela se foca em um dilema extremamente superficial, o que considero que seja o maior problema da produção.

Mas deixando isso de lado – até porque, eu querendo ou não, esse dilema é algo que realmente aconteceria numa situação dessas, por mais que ele seja tolo, na minha visão -, Interestelar consegue ser um filme com diversas qualidades, por vezes tenso, por vezes profundo. Vejo como a obra mais sensível de Nolan, com mais coração, tendo no amor uma mola propulsora para vários personagens.

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Aliás, mais ou menos na metade do filme, eu já estava chorando em um cena que, de forma complexa, consegue ser extremamente triste, bela e sensível. É também na segunda metade de projeção que a obra ganha um trunfo comum nas produções de Nolan: uma montagem paralela (ou “paralela”, já que o tempo é relativo) que não apenas dá uma dinâmica incrível à história, como acrescenta significados a cada ação que ocorre.

E se Interestelar pode ser considerado uma mistura de 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968), Contato (Contact, 1997) e Gravidade (Gravity, 2013), também não deixa de ter toques de A Origem, onde o tempo vira um antagonista, comportando-se de forma diferente em diferentes ambientes. Só que se em A Origem a ação se passava dentro do cérebro de um terráqueo, aqui ela vai o mais longe possível e com consequências muito mais dramáticas.

A TRILHA SONORA

Porém, mais do que a montagem por si só, acredito que o maior talento de Nolan como diretor seja a habilidade em uni-la à trilha sonora, construindo uma tensão crescente e momentos profundos, com bastante simbolismo. E aqui Hans Zimmer entrega talvez seu melhor trabalho em muito tempo, utilizando sons de órgão para evocar o clima grandioso, clássico e, ao mesmo tempo, metálico, remetendo assim ao embate tecnológico.

Não que eu não seja fã de composições recentes dele, como A Origem ou 12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, 2013), mas parecia que Zimmer estava se repetindo um pouco, como ao usar acordes muito semelhantes para a base dos dois filmes.

Tecnicamente, aliás, o filme é quase impecável. A fotografia de Hoyte van Hoytema se utiliza muito bem dos contrastes da empoeirada Terra com os outros planetas e com o espaço. Os efeitos visuais não passam qualquer sensação de irrealismo em momento algum. O som consegue variar muito bem os tempos de silêncio com alguns de barulho ensurdecedor. E todo o design de produção é hábil e inventivo ao mostrar tantos ambientes tão diferentes entre si, mas sem deixar de ser extremamente realista.

O ELENCO

O elenco também não desaponta. Embora Michael Caine e Anne Hathaway pouco possam fazer com seus personagens, McConaughey continua firme nessa nova fase de sua carreira, passando segurança como o líder da missão, mas sem deixar de se afetar pelos sentimentos que talvez tenha que carregar consigo pela eternidade.

Mas talvez seja sua filha, Murphy, seja quem mais se destaca. Tanto quando interpretada por Jessica Chastain quanto quando interpretada pela jovem Mackenzie Foy, ela é determinada em tentar solucionar seus mistérios, mas mostra-se profundamente afetada pelo abandono que sofreu.

O DIDATISMO

Como pontos negativos do longa, fala-se de um excesso de explicações, comum aos filmes de Nolan. De fato, com a missão espacial já em seu curso, ver um astronauta explicando a outro sobre um buraco de minhoca, soa quase infantil.

Mas em sua maior parte, o didatismo se justifica por ser uma trama complexa que realmente precisa ser explicada ao espectador, e também por haver um personagem “novato” em cena.

E se toda a resolução do clímax pode ser considerada irreal ou artificial, acho que ela está dentro da “suspensão da descrença” proposta pela obra, já que desde seu início fica claro que tipo de situações podemos encontrar ao final dessa jornada, inclusive dando pistas que se cumprem em seu terceiro ato. E se o cineasta é acusado de não ter tato para falar sobre amor, aí discordo totalmente.

Sendo referido como algo capaz de transcender tempo e espaço, realmente não havia obra melhor de Nolan para que ele incluísse o amor de forma tão forte quanto Interestelar. Ele não só desencadeia uma já citada belíssima cena como é a motivação central de seu protagonista.

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E se o mesmo pode-se dizer do personagem de Leonardo DiCaprio em A Origem, por exemplo, aqui ao menos o amor claramente não é apenas um mecanismo para dar um sentido às ações dos personagens, mas é um aspecto fundamental em cada decisão tomada por Cooper. Esse embate entre a racionalidade do que é o melhor para a missão como um todo e a passionalidade do que é o melhor para o “seu coração” – e não só do protagonista – faz com que cada atitude dos astronautas precise ser friamente calculada.

Com um pé fortemente fincado no realismo – por mais distante que seja -, baseando-se nas teorias do físico Kip Thorne, Nolan vai ao extremo do universo para, como qualquer boa ficção científica, divagar sobre a natureza humana. Ele retrata um mundo avesso ao instinto de curiosidade científica do ser humano, onde, por exemplo, desmentir a ida à Lua é visto por alguns como algo necessário para o futuro da espécie.

Mas são mensagens trazidas através de uma estante de livros – ferramenta atemporal que pode transmitir conhecimento e/ou arte – que levam o protagonista à missão que usará uma ciência tão “inútil” (segundo alguns personagens) quanto a exploração espacial para levar alguma esperança ao planeta. É a curiosidade do ser humano, tanto científica quanto artística (outra coisa que poderia ser considerada ´”inútil”), que nos torna únicos.

Mas Interestelar talvez seja, em seu íntimo, um filme sobre o que move o ser humano: o instinto de sobrevivência. É por ela que todos os personagens – incluindo os robôs – estão lutando, diretamente – seja a própria sobrevivência, a daqueles que amamos ou de toda a nossa espécie (ou de outras espécies, por que não?). É o que faz com que estejamos sempre superando os maiores desafios.

A jornada de Cooper é a maior que qualquer ser humano poderia enfrentar. E ele a faz para salvar sua família, sempre deixando isso claro – e sem ser clichê ou blasé. Se isso é uma forma superficial de falar de amor, então realmente Interestelar pode ter falhado feio.

Mas eu acredito que não.