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“Jurassic World” é bom o suficiente para resgatar o fôlego da franquia?

Deus cria os dinossauros. Deus destrói os dinossauros. Deus cria o homem. O homem destrói Deus. O homem cria os dinossauros.

Os dinossauros comem o homem. A mulher herda a terra.

Este icônico diálogo, do filme Jurassic Park, é famoso não apenas por ser uma boa troca de frases, mas principalmente por expressar bastante da história e da temática da obra. E é óbvio que Jurassic World flerta diretamente com esse momento do longa original, com uma pequena exceção. Mas voltemos a isso mais tarde.

Quando a produção de 1993 foi lançada, se transformou em um imediato e estrondoso sucesso de público e crítica e um grande marco para os efeitos visuais, além de ter feito com que os dinossauros virassem uma obsessão no mundo todo.

E 22 anos e dois filmes duvidosos depois, a franquia ganha novo fôlego com essa nova superprodução. E quando eu digo que ganha novo fôlego não me refiro apenas ao sucesso comercial da obra – recorde de melhor fim de semana de estreia em bilheterias, arrecadou mais de 500 milhões de dólares em sua primeira semana, abrindo caminho para mais filmes -, mas principalmente porque é um bom produto de Hollywood, que merece sucesso.

Jurassic World tem tudo o que se espera de um filme de seu gênero. Bons efeitos sonoros e visuais, “monstros” ameaçadores (aqui o híbrido Indominus rex), sequências marcantes, frases de efeito, mortes e um clímax grandioso, além de uma direção de arte extremamente criativa na construção do parque.

Porém, também falha em quesitos já esperados (e não é por isso que merecem ser perdoados), como o excesso de clichês e os personagens estereotipados.

Mas é impossível falar desse novo longa sem compará-lo ao original, em alguns aspectos. Não que Jurassic World tente ser uma mera reciclagem de Jurassic Park, longe disso. World tem um ar mais grandioso, usando a premissa do parque já em funcionamento para criar um cenário muito mais catastrófico, e se sai muito bem nisso.

Contudo, a todo o momento tenta evocar a aura da obra dirigida por Steven Spielberg, e isso reflete, na sua maioria, em pontos positivos.

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Os personagens do filme atual não são tão bons quanto os do longa original

Mas isso também não quer dizer que World seja melhor que Park. Eu nem ousaria dizer algo assim. O filme de 1993 continha um deslumbre e um fascínio pela ilha e pelo ecossistema lá criado que seria impossível tentar igualar. Além disso, seus visitantes eram muito mais interessantes. Alan Grant (Sam Neill), Ellie Sattler (Laura Dern), John Hammond (Richard Attenborough) e Ian Malcolm (Jeff Goldblum) se tornaram personagens clássicos e queridos dos cinéfilos.

Sem falar no elenco mirim composto por Tim (Joseph Mazzello) e Lex (Ariana Richards), que fugiram do estereótipo do gênero de “criança irritante causando problemas aos adultos” e ainda conseguiram passar muito bem toda a tensão e o medo necessários para a produção, principalmente a garota.

Não que os personagens de Jurassic World sejam de todo ruim. Chris Pratt, por exemplo, tem simpatia o suficiente para ser um legítimo herói de ação, e os outros, embora estereotipados, não caem para a caricatura, mas obviamente empalidecem diante de Grant, Malcolm e companhia.

O único grande problema é Claire (Bryce Dallas Howard), a diretora do parque, um estereótipo ambulante e sexista: mulher que não pensa em ter filhos nem tem um relacionamento dos melhores com qualquer um da família por ser muito dedicada ao trabalho – o que a torna também excessivamente racional e esquemática -, mas que acaba se rendendo aos laços familiares após fugir de dinossauros correndo de salto alto.

Algo completamente diferente da Ellie feita por Laura Dern, que, além de outras coisas, deu a segunda fala do diálogo que abriu este texto.

Outra diferença entre os longas – e aí vai mais pelo gosto do espectador -, é que, enquanto Jurassic Park era uma aventura que flertava mais com o suspense, o novo filme dialoga muito mais com a ação, aliás, com sequências muito bem dirigidas por Colin Trevorrow.

Logo, não espere de Jurassic World uma das maiores qualidades da obra de Spielberg: os momentos cheios de tensão.

As outras semelhanças ou diferenças entre os dois filmes não são exatamente coisas comparáveis. Desde a trilha sonora, reutilizando os principais temas do longa de 1993, até a volta de personagens, cenários e objetos, tudo funciona como uma bela e orgânica homenagem, que inclui também a dinâmica de algumas cenas e até um diálogo irônico, crítico e autorreferencial.

No entanto, como dito, essas “brincadeiras” apenas enriquecem a obra, que ainda faz piada com outros clichês (incluindo alguns usados no próprio filme, como o beijo de um casal) e com a história do gênero cinematográfico, como ao fazer o Mosassauro comer um tubarão.

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O Mosassauro caçando um tubarão

Mas voltemos ao icônico diálogo, para falar do tema principal de ambos os filmes.

Deus cria os dinossauros. Deus destrói os dinossauros. Deus cria o homem. O homem destrói Deus. O homem cria os dinossauros.

Os dinossauros comem o homem. A mulher herda a terra.

Ora, nenhuma das duas produções se propõe a discutir qualquer coisa no âmbito teológico-religioso. Logo, o “Deus” das frases em questão remete primordialmente ao motor criador de tudo, o que, para muitos, pode significar Deus mesmo, mas se refere muito mais à natureza em si.

Park e World retratam, mais do que qualquer outra coisa, a relação entre humano e natureza. A ânsia do primeiro em controlar, explorar, domar e, consequentemente, destruir a segunda que, por sua vez, é ainda mais poderosa e imprevisível.

O personagem de Jeff Goldblum falava em Teoria de Caos, dizia que “a natureza encontraria um jeito” e questionava a ética em se tentar recriar algo como os dinossauros. Aqui, o olhar recai mais sobre os limites dessa criação: a ambição desmedida ao se dar vida a um híbrido poderoso e como o tratamento errado dado a um animal é algo perigoso não apenas para ele.

Owen Grady, o protagonista interpretado por Chris Pratt, enxerga os animais do parque como seres que merecem respeito e carinho, e não é o único no longa. E embora nem o filme nem o protagonista pareçam enxergar o problema ético intrínseco na criação, encarceramento e exposição desses animais independente do tratamento dado a eles, a verdade é que tem muito de SeaWorld em Jurassic World.

E muitos, ao assistirem ao filme, lembraram-se do excelente e alarmante documentário Blackfish (2013), sobre toda a crueldade (com os animais) e perigos (para os funcionários) existentes no parque aquático da Flórida.

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O polêmico documentário “Blackfish” fez muito sucesso

Jurassic (tanto Park quanto World) é sobre a ambição e a arrogância do ser humano e sobre como somos insignificantes diante do poder da natureza, por mais que tentemos, a todo custo, domá-la e destruí-la (e, em grande parte, conseguimos).

Nesse sentido, inclusive, o Deus ex machina do filme é, não apenas perfeitamente plausível – afinal, a natureza é imprevisível -, como também a única resolução verossímil, já que, uma vez tendo tentado controlar a natureza e perdido seu controle, o humano nada pode fazer além de torcer para que ela mesma se controle.

O Deus ex machina – que significa “Deus surgido da máquina” e é uma expressão usada, normalmente de forma pejorativa, quando uma obra de ficção cria, repentinamente, uma resolução irreal para um problema em curso – poderia até se chamar Natureza ex machina.

E, em relação a esse tema, não existe exatamente um filme melhor que o outro, ambos são complementares na discussão. O problema é que, assim como o parque do filme, poucos o verão além do mero entretenimento.

Nesse aspecto, o diálogo icônico do longa de 1993 poderia muito bem estar no de 2015 também – exceto pelo fato de que a personagem Claire jamais pronunciaria a emblemática fala da empoderada Doutora Sattler. Mas, embora não tenha o mesmo poder de durar décadas, há um outro diálogo em Jurassic World que comenta o filme e nossa relação com a natureza de outra forma.

Você criou um monstro!

“Monstro” é um termo relativo. Para um canário, um gato é um monstro. Nós apenas estamos acostumados a sermos o gato.

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A cena do diálogo histórico