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As lições de vida que os filmes do Scorsese ensinam

Se é verdade que a arte imita a vida, justo seria admitir também que, muitas vezes, nossa vida ajusta posicionamentos ou adquire gestos que nos são inspirados pela arte. Principalmente no que diz respeito ao cinema onde, além da história em si, se disponibilizam incontáveis recursos de linguagem.

Quando se fala em linguagem cinematográfia, é inevitável lembrar de Scorsese e da forma com ele se debruça, com requinte de detalhes, sobre a eficiência da estrutura narrativa.

Claro que a temática tem seu peso reconhecido (e nisto Scorsese deixa a sua marca), mas a movimentação da câmera, o foco, a iluminação, a narração, a trilha musical, são fatores que contribuem em alto grau para intensidade com que o espectador se envolve, e a forma como decifra as ideias que o diretor quer transmitir.

Assim sendo, podemos afirmar que as obras de Scorsese vão além do entretenimento! Elas atuam também como pontos de reflexão e, portanto, lições que podemos (e devemos) adotar em nossa vida.

Embora a minha vontade seja reproduzir, na íntegra, a lista deste cineasta, usei o critério de questões éticas, morais e de motivação, distintas em cada filme, para escolhê-los.

Começo com o segundo longa de Scorsese, lançado em 1973, no qual se inicia a sua parceria com Robert De Niro. Caminhos Perigosos (Mean Streets), explora a violenta realidade do subúrbio de Nova Iorque, e coloca, num jogo de cenas que nos mostra o questionamento e a explosão de personalidades que às vezes se chocam, vividas por Charlie (Harvey Keitel) e Johnny Boy (Robert De Niro).

Scorsese não traz apenas um retrato do ambiente em que ele mesmo crescera, mas também o teor religioso e os códigos morais de sua formação, os quais são injetados nos conflitos de personalidade do protagonista, Charlie, de cujas falas eu destaco: “Você não paga seus pecados na Igreja. Você paga nas ruas. Você paga em casa. O resto é besteira, e você sabe disso.” (Referindo-se à índole inescrupulosa e agressiva de Johnny.)

Há, neste filme, uma intenção de nos levar a refletir sobre o compromisso com o outro e com a sociedade, e sobre as consequências no desvio das normas impostas pela Lei.

Vem então Táxi Driver (Taxi Driver, 1976)! Robert De Niro aparece novamente, agora como o taxista Travis, papel que desempenha com magnitude. Embora com 4 indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator para Robert De Niro, Melhor Atriz Coadjuvante para Jodie Foster, e Melhor Trilha Sonora para Berar Herrmann), este filme levou apenas a Palma de Ouro no Festival de Cannes, e as premiações acima citadas no BAFTA Awards (espécie de prévia europeia ao Oscar).

Ao volante de seu táxi (emprego que arruma para combater a insônia que o atormenta), Travis (De Niro) rasga as madrugadas de Nova Iorque, ruminando suas críticas latejantes à violência e ausência de moralidade.

No início, Scorsese nos traz uma ilusória impressão de que Travis é apenas um alienado (ainda que atormentado) vivendo à margem da escória citadina, como se apenas a observasse, num sobrevoo.

Mas o profundo observador e contestador Scorsese não se contentaria com a superficialidade do seu protagonista (embora já tenha anunciado a dinâmica do mesmo, na cena em que a câmera transita entre o olhar de Travis e o comprimido efervescente que se dissolve num copo com água) e alimenta, de forma exponencialmente crescente, a frustração e os delírios que se contorcem na monotonia da sua vida.

É então que Iris (Jodie Foster revelando-se para o universo da atuação) atravessa o caminho de Travis, fazendo emergir, em atitudes (impregnadas, paradoxalmente, de violência e ternura, diga-se de passagem), um propósito que dê algum sentido à sua vida.

Talvez Scorsese esteja tentando nos dizer que é através do outro que rasgamos a cortina da alienação, e nos construimos.

Durante um jantar ela deixa escapar, ingenuamente, que certo adversário é “jovem e bonito”. Ele, profundamente perturbado com as palavras da esposa, por quem tem uma paixão imensurável, não controla seu ciúme e possessividade, e deixa desfigurado o alvo de tal comentário.

Apaixonado sim! Terno e cuidadoso em muitos momentos! Mas emocionalmente descontrolado, impaciente, indomável! Claro que me refiro a Jake LaMotta, magistralmente interpretado por Robert De Niro (Oscar de Melhor Ator), no filme de Martin Scorsese (indicado ao Oscar de Melhor Diretor), Touro Indomável (Raging Bull – 1980 – indicação por Melhor Filme).

Novamente Scorsese capta as vibrações de seu protagonista, das mais superficiais às mais profundas, e as expõe na tela, de forma brilhante.

O roteiro (Paul Schrader e Mardik Martin) é baseado num livro de co-autoria de Jake LaMotta, um pugilista peso-médio que, por sua extrema simplicidade, não tem qualquer traquejo social. Para piorar (sustentada por uma força brutal), ele é incontrolavelmente explosivo, característica que se agiganta quando entram em cena os seus ciúmes e desconfianças com relação a Vickie (Cathy Moriarty), sua mulher, por quem ele é enlouquecidamente apaixonado.

Dono de um talento incrível, LaMotta vai do apogeu ao declínio total, financeira, profissional e amorosamente.

Aliados à impecável edição (Oscar para Thelma Schoonmaker) estão a fotografia (Michael Chapman), o som, a trilha sonora, o estretante Joe Pesci (no papel de Joey), o já citado De Niro, e todo o brilhantismo do complexo e genial Scorsese. Tudo isto, em afinado compasso, nos parece suficiente para fazer deste filme um arrebatador de vários Oscar, inclusive o principal. Mas ainda não foi desta vez que Scorsese colocou as mãos na estatueta.

No entanto, nesta obra, tudo se encontra perfeitamente orquestrado para que, tão logo os créditos comecem a deslizar pela tela, sejamos convidados a uma reflexão sobre como o descontrole emocional pode nos levar do ápice à degradação total, e de que o dinheiro realmente não compra felicidade.

“Nunca traia seus amigos, e sempre mantenha a boca fechada!”

Este é um conselho que Henry Hill escuta após uma absolvição criminal. Embora não seja o mote moral do filme, há que se considerar sua pertinência na arte de viver.

Henry Hill faz parte do trio central do filme Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990), obra de Martin Scorsese que, apesar de todo o seu virtuosismo, de ter recebido vários prêmios BAFTA (e de outras críticas) e seis indicações ao Oscar, ainda não foi desta fez que garantiu as estatuetas para Melhor Direção ou Filme, ficando apenas com a de Melhor Ator Coadjuvante para Joe Pesci, no papel de Tommy.

Henry (Ray Liotta) sempre quis ser um gângster. Assim ele diz, numa narração em off, quando se inicia o desenrolar do novelo, em flashback, dos caminhos por ele trilhados, alimentados e estimulados pelo fascínio que o glamour e poder que os mafiosos do bairro onde cresceu, exerce sobre si (e sobre o imaginário coletivo, devo acrescentar).

Henry se deslumbra com a forma como o mundo parece se curvar diante dos gângsters, fazendo com que para eles todo e qualquer desejo seja imediatamente satisfeito, muitas vezes sem que se faça sequer necessário manifestá-lo explicitamente.

Apesar de todo o empenho do seu pai para impedir que isso aconteça, Henry abandona a escola e, aos poucos vai se envolvendo com o grupo de mafiosos do Brooklin, passando a trabalhar para eles (ou com eles), e desenvolvendo uma amizade com Tommy e Jimmy (Robert De Niro).

Ainda que no começo discorde e se incomode com certos padrões de ação do grupo, Henry acaba sendo vencido por uma ganância crescente, e mergulha de cabeça no universo luxuoso, sustentado por violência e negociações ilegais.

Até que as coisas começam a não correr como planejadas e, entre o cerco do FBI e da DEA, a morte de Tommy, a prisão, o afasrameto do grupo, por Paulie, Henry acaba se dando conta do perigo que corre a sua vida e de sua famíla. Precisa colcar um limite em suas ambições, adaptando-se ao mundo real.

Baseado em fatos reais, Os Bons Companheiros nos escancara o quanto interesses maiores são capazes de derrubar posturas e supostos princípios, transformando as pessoas. Este filme derruba os muros do sonho americano (nas décadas de 1950 a 1970) pelo poder e pela riqueza, gritando o quanto certos momentos podem ser ilusórios, e como tudo se fragmenta, se desfaz repentina e facilmente.

Falemos agora do… Ops! É quase irresístivel não citar a maioria dos filmes de Scorsese e não associar suas histórias a aprendizados para a vida. Mas, por enquanto, fico por aqui, deixando ao seu critério, absorver dos que selecionei, os ensinamentos que são trazidos para a tela, através do tom verossímil que os atores dão ao personagem, e da magistral direção de Scorsese.