fbpx
Seus números superam até mesmo os do mítico Rui Chapéu

Igor Figueiredo, nascido na tabela

Pedro Nogueira Editor-Chefe

Igor Figueiredo é um homem que, à primeira vista, aparenta ser mais ameaçador dentro de um ringue de boxe do que na mesa de sinuca. Com seu porte sólido (1,91 de altura e 115 quilos), é fácil imagina-lo nocauteando um adversário com um cruzado de direita; qualquer pessoa sensata pensaria duas vezes antes de entrar numa briga com ele. Não seria tão óbvio, por outro lado, concebê-lo empurrando suavemente pequenas bolas coloridas, durante horas seguidas, em caçapas que, de tão apertadas, demandam uma precisão quase cirúrgica do jogador. Mas é com o taco em mãos – e não com a luva de boxe – que Igor Figueiredo pratica a sua arte desde os cinco anos de idade.

Aos 34 anos, Figueiredo é o maior jogador de sinuca do Brasil da atualidade e, talvez, da história. Além do recorde de quatro títulos brasileiros (em 1996, 99, 2005 e 08), ele é o único atleta do país a já ter disputado o Main Tour, um circuito internacional restrito aos 100 melhores jogadores do mundo. Seus números superam (e com folga) até mesmo os do mítico Rui Chapéu, que ganhou fama dando aulas de bilhar na Rede Bandeirantes na segunda metade da década de 1980. Rui, por exemplo, nunca foi campeão nacional. “Enfrentei o Rui pela primeira vez aos 13 anos”, conta Figueiredo. “Perdi e fiquei em terceiro lugar no torneio. Dois anos depois, um cara se ofereceu para me bancar num jogo apostado contra ele, em Belo Horizonte. Dessa vez, ganhei a partida e 12 mil dólares.”

Ver Figueiredo jogando sinuca é como presenciar um matemático solucionando uma equação; você pode entender o resultado final, mas não tem ideia de como ele chegou até lá. A partir do momento em que a mesa está aberta, sequências de 15 ou 20 bolas não são raras para Figueiredo. Em duas ocasiões na carreira, ele afirma, chegou a matar 36 seguidas, alcançando a pontuação máxima do snooker inglês, de 147 pontos. Para isso, teve que encaçapar 15 bolas vermelhas, cada uma delas seguida por uma preta, e depois outras seis coloridas. É uma tarefa tão complicada que, até 2010, a federação internacional dava prêmios aos jogadores que conseguissem anotar o maximum break em torneios oficiais. Em uma dessas ocasiões, o britânico Ronnie O’Sullivan, tricampeão mundial, ganhou 147 mil libras (cerca de 420 mil reais) pelo feito. Na última temporada, porém, essa forma de premiação foi abolida.

Destro, Figueiredo empunha seu taco John Perris de 5 mil reais da mesma maneira que um violinista segura o seu instrumento – firme, mas com delicadeza. Ele se movimenta ao redor da mesa com passos rápidos e curtos, sem refletir muito antes de cada jogada; ele já tem o caminho inteiro da partida traçado em sua cabeça. Conforme a caçapa vai engolindo as bolas coloridas, a branca continua correndo até terminar na posição perfeita para o próximo lance. Essa é a marca do grande jogador: o posicionamento. Saltos e massés (uma técnica complexa de efeito) fazem parte do repertório dos campeões. Mas o modo mais eficaz de medir a habilidade de alguém é observar como ele prepara a bola branca para a sequência.

(MAIS: Gabriel Goffi, o Kid Poker)
(MAIS: Como vive o maior enxadrista do Brasil)

Figueiredo é, em cima do pano, um verdadeiro chacal. Seu único azar foi ter escolhido um esporte que, no Brasil, rende pouco dinheiro aos atletas. “É muito duro viver da sinuca aqui”, ele diz. “Você precisa completar a renda dando aulas particulares, vendendo materiais esportivos ou sendo dono de um salão. Senão, falta dinheiro no fim do mês.” Os torneios não apenas são escassos no país – como, também, possuem premiações baixíssimas. Pelo seu vice no campeonato brasileiro de 2011, Figueiredo ganhou 2500 reais; o campeão Fábio Luersen ficou com 5 mil reais. Enquanto isso, o inglês Judd Trump faturava 40 vezes esse valor (70 mil libras ou 200 mil reais) por sua vitória no UK Championship.

“No Brasil, a sinuca não tem apoio do governo ou das empresas”, afirma Figueiredo. “Por isso o dinheiro é tão curto.” O esporte possui dois fatores, principalmente, que complicam a sua situação no país. O primeiro é a imagem de jogo de malandro; as empresas sentem-se relutantes em associar as suas marcas ao bilhar por isso. Um segundo ponto é que a sinuca não é uma modalidade olímpica. Um entrave para esporte ser aceito nas Olimpíadas é a falta de unidade: parte dos países segue a regra do snooker inglês (caso do Brasil), enquanto outros adotam o pool americano. As duas variações divergem entre si no regulamento, tamanho da mesa, peso da bola e diversas sutilezas que, para um leigo, podem parecer supérfluas. Esses detalhes, porém, fazem do pool e do snooker jogos tão distintos quanto o tênis e o squash.

Em 2009, Figueiredo foi para a Europa tentar carreira. O que, além de difícil, é caro. “Fiquei um ano na Alemanha e outro na Inglaterra”, conta. “Eu gastava uma média de 10 mil reais por mês lá.” O jogador diz que essa experiência internacional só foi possível pelo apoio que teve do empresário Humberto Farro, da importadora Ipanema Comercial. “Por amizade e amor à sinuca, ele me ajudava com os gastos. Até hoje o Humberto me dá uma força com isso.” Em seu primeiro ano na Europa, Figueiredo ficou em 12º num campeonato com 128 competidores que classificava os oito mais bem colocados para o Main Tour. Pouco tempo depois, ele foi vice-campeão mundial amador (“todo campeonato fora do Main Tour é considerado amador”, ele diz) na Índia. Pela somatória dos resultados, recebeu um wild card (convite) da organização do circuito para jogar a temporada 2010/2011.

Figueiredo chegou a estar no top 70 do ranking mundial. A falta de patrocínio e dinheiro, no entanto, fez com que ele voltasse ao Brasil em março. Carioca, hoje Figueiredo mora em São Paulo, na região de Santo Amaro, com a esposa Caldete e o filho Igor Júnior, de dois meses. Ele tem também uma filha de um relacionamento anterior, Stephanie, de 11 anos. Para pagar as contas de casa, dá aulas de sinuca (100 reais a hora), promove clínicas (para até 10 pessoas, a 300 reais por cabeça) e dá exibições (3 mil reais). Quanto a jogos apostados? “Hoje em dia é difícil de encontrar”, afirma. “Rolava muito nas décadas de 1980 e 90. Eu mesmo, quando era moleque, apostei bastante. Mas essa jogatina é ruim para o esporte no Brasil. Quando a sinuca se livrar da imagem de jogo de malandro, talvez as coisas comecem a melhorar.”