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Há uma hora certa -- e uma errada -- para tudo

Viver do trabalho é bom, mas morrer dele é um erro

Recebo a visita de meu primo Juan Hernandez. Publicitário. Não que seja preguiçoso, não é. Mas está longe também de ser um soldado da companhia que se voluntaria. Vamos colocar assim: profissionalmente, é um francês. Você pode varar Paris as 24 horas do dia que não vai encontrar ninguém de laptop trabalhando num café. Café e bar são para beber, conversar, flertar para o francês. O trabalho acaba às 5 e ponto. Revoir.

Juan tem o espírito profissional do francês mesmo tendo ascendência caribenha, como eu.

“Meu chefe é um maluco”, Juan me disse. Tratou antes de conversar de pegar uma Stella na geladeira. “Ele pensa que a vida é trabalhar, trabalhar e ainda trabalhar.”

“Quase todo chefe pensa o mesmo”, eu disse. “Ou não seria chefe.”

“Mas há chefes e há o meu chefe, Fabito.” Ele me chama de Fabito, não sei por quê. É a única pessoa que me chama assim. “Sabe o que ele me disse outro dia? Que se orgulha de não ter ido ao enterro do avô porque tinha que trabalhar.”

“Imagino que um dia ele vá ter vergonha disso, se não for um idiota completo”, eu disse. “Ou vai olhar para os netos e saber que eles não vão segurar a alça na última homenagem.”

Quem glamourizou no Brasil a idéia de prioridade absoluta para o trabalho foi o Grupo Garantia, que depois de vôos espetaculares quebrou no ramo financeiro e acabou se dando bem, com outro nome, no território rústico da indústria cervejeira. Era e é um conceito importado dos Estados Unidos. Visto o declínio americano, não deve funcionar tão bem assim esse modelo. Os banqueiros americanos estão atolados em dívidas e em antidepressivos.

Juan me olhou com ares visionários, depois de tomar um gole interminável de sua Stella.

“Ele não vai viver o bastante para ter netos”, disse.

É uma possibilidade real, refleti. Conheci muitos casos de pessoas que morreram de tanto trabalhar, e deixaram órfãos, viúvas e um dinheiro não aproveitado. Viver do trabalho é bom, mas morrer do trabalho é uma pena. Miro Juan a caminho da geladeira, para pegar mais uma Stella, e gosto de saber que ele não vai morrer de tanto trabalhar, com certeza.