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A carta memorável com a qual Gustave Flaubert encerrou um caso amoroso

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Gustave Flaubert, nascido em 1821 na cidade de Rouen, na França, foi um dos mais destacados romancistas do século XIX e permanece como uma figura emblemática na história da literatura mundial. Sua meticulosidade na construção de frases e sua busca obstinada pela “palavra perfeita” transformaram seu estilo em um exemplo perfeito de precisão e elegância literária. A obsessão de Flaubert pela forma e sua sensibilidade aguçada para os detalhes mais sutis se refletem não apenas em sua prosa, mas também em sua capacidade de capturar a complexidade das emoções humanas e as nuances do cotidiano.

A obra mais célebre de Flaubert, Madame Bovary, é frequentemente saudada como um dos maiores romances já escritos. Publicado em 1857, o romance narra a vida de Emma Bovary, uma jovem mulher que aspira a uma vida mais glamorosa e apaixonada do que a monotonia de seu casamento com um médico interiorano lhe permite. A insatisfação de Emma e seus subsequentes casos extraconjugais desencadeiam uma série de tragédias e reflexões sobre as férreas consequências do desejo desenfreado e da busca ilusória por satisfação. Esta obra provocou um grande escândalo em sua época devido à sua representação franca da infidelidade feminina, e foi alvo de julgamento por “ofensa à moral pública e à religião”. Contudo, a acuidade com que Flaubert descreveu a condição humana fez deste livro uma obra imortal.

… Mas, bem, de relacionamentos extraconjugais Flaubert conhecia uma ou duas coisas.

A vida amorosa de Gustave Flaubert foi marcada por paixões intensas, e a mais notória dessas paixões foi seu romance com a poetisa Louise Colet. A relação entre os dois, profundamente enraizada no mundo das letras, perdurou por cerca de uma década, caracterizando-se tanto por sua intensidade quanto por sua complexidade.

Flaubert e Louise Colet se conheceram em 1846, em uma visita que ele fez à capital francesa. A poetisa, já famosa em Paris, ficou imediatamente encantada com o jovem e promissor escritor, que era cerca de onze anos mais novo do que ela. Louise Colet já era casada, e já tinha outro amante e uma filha deste, mas isso não a impediu de travar um romance com Flaubert nem de darem início a uma correspondência fervorosa que se tornaria uma das mais ricas e interessantes trocas epistolares da literatura francesa, presentes na Correspondência de Flaubert.

Em suas cartas, Flaubert não apenas expressava seu amor e desejo profundos por Louise, mas também compartilhava seus pensamentos e angústias sobre escrita, suas aspirações artísticas e sua visão de mundo. No entanto, apesar da profundidade da relação, o relacionamento foi pontuado por separações e reconciliações, refletindo as tensões entre o desejo pessoal e a dedicação artística. Coloca a crítica literária Dorothée de Bruchard:

Louise compreendia pouco este amante por demais lúcido e sensato, que só entendia a vida como matéria-prima da arte, explicitava a efemeridade do amor e, sobretudo, não renunciava ao seu isolamento para viver com ela em Paris. Flaubert, por sua vez, sentia um horror profundo por tudo o que ela entusiasmava: todo o turbilhão da vida social e da vida, como a participação nos acontecimentos da época através do movimento liberal. Louise foi, contudo, a única mulher com a qual se envolveu de maneira profunda e duradoura: se barreiras intransponíveis dificultavam o relacionamento, este, no entanto, alicercava-se no amor que ambos nutriam pela literatura.

Entre marés de idas e vindas, Flaubert rabiscou apressadamente uma carta final para a amante:

Madame, relataram-me que a senhora se deu ao trabalho de procurar por mim três vezes na noite passada. Eu não estava em casa. E, temendo que a sua persistência a conduza à humilhação, os fundamentos da polidez me obrigam a dizer claramente que eu jamais estarei em casa.

O impacto de Louise Colet na vida do escritor foi indelével. Muitos acreditam que ela tenha sido a inspiração para a personagem Emma Bovary, embora isso seja objeto de debate. Independentemente das especulações, o romance entre ambos permanece como um testemunho da intersecção entre amor e literatura no século XIX, e deixa a seguinte reflexão: se Flaubert foi capaz de dizer à sua musa que jamais estaria em casa para recebê-la, você também pode cortar os contatinhos tóxicos. Concorda?

Camila Nogueira Nardelli

Leitora ávida, aficcionada por chai latte e por gatos, a socióloga Camila escreve sobre desenvolvimento pessoal aqui no El Hombre.

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