“Tony, I’m your father”

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Nenhum outro artista tem tanta influência sobre a cultura pop quanto Stan Lee. Esse simpático senhor passou meio século criando e administrando uma complexa mitologia de seres extraordinários — como Thor, Homem-Aranha e Homem de Ferro —, que se perpetua por meio de HQs, games e filmes. Daí a pergunta: onde está o Nobel de Literatura de mister Lee? Pode parecer descabido para quem só se lembra do tiozinho que fala dos deuses da vida real no programa Os Super-Humanos de Stan Lee (no canal pago History Channel), em que apresenta casos reais e extraordinários — um homem imune à eletricidade, outro que controla o magnetismo —, mas, analisando o conjunto da obra, o gênio da Marvel está mais do que habilitado à comenda.

A animada vida de Stanley Martin Lieber — e das criaturas que viria a inventar — começou em 28 de dezembro de 1922, na cidade de Nova York. Seu pai, Jack, lhe ensinou duas coisas básicas: 1) nunca pare de trabalhar; e 2) leia muito. A mãe, Celia, contava que ele traçava as aventuras de Sherlock Holmes, os livros de Tarzan e até Shakespeare. Aos 17 anos, empregou-se como office boy na editora Funnies — e logo estava escrevendo roteiros de  quadrinhos. Mas Stan cansou-se logo de histórias bobas. Pensava em desistir. Até que o dono da editora, Martin Goodman, lhe mostrou o sucesso da concorrente — A Liga da Justiça da América, que reunia Superman, Batman e a Mulher-Maravilha — e propôs a Lee uma revista com um time de heróis da casa. “Queria escrever histórias que não insultassem a inteligência do leitor. Que eu mesmo tivesse prazer em ler”, lembra. Então, escreveu as frases que fariam história: “Com a repentina fúria de um trovão, um sinalizador é disparado sobre o céu de Central City! Três incríveis palavras se formam como por mágica e uma lenda nasce: O Quarteto Fantástico!” Pura profecia.

Seguiu-se um monstro verde chamado Hulk. A empresa virou uma potência e foi rebatizada: Marvel Comics. O próximo na fila seria “um adolescente que moraria com os tios, meio nerd, um perdedor no departamento romântico, sempre preocupado com dinheiro”. Com o Homem-Aranha, as vendas da Marvel bateram recordes históricos de 13 milhões de exemplares mensais. Stan Lee conheceu o sucesso internacional e lançou o bordão que até hoje finaliza qualquer uma de suas mensagens — “Excelsior!” Em seguida, veio o deus nórdico Thor. Em 1963, Lee provocou o patrão: “Vamos criar um herói que não tem a menor chance de ser um sucesso e torná-lo popular. Um magnata que inventa e fabrica armas”. Nascia assim o Homem de Ferro. Em julho do mesmo ano, surgiu o místico Doutor Estranho. E, antes que 1963 acabasse, Lee criaria um grupo de seres geneticamente modificados, os X-Men. Em 1964, surgiram o herói cego Daredevil (O Demolidor, no Brasil) e o Surfista Prateado.

Em 1970, Stan já era uma estrela mundial — porém, continuava mero assalariado da Marvel. Mudou-se para Los Angeles aproveitando a ainda tosca (mas bem-sucedida) versão de Hulk para a TV. Mas as outras tentativas de levar seus personagens para as telas não deram em nada. As coisas só começaram a melhorar de verdade nos anos 90, quando James “Midas” Cameron planejou uma superprodução para seu amado Homem-Aranha. Como o legado jurídico da editora estava uma bagunça, Stan foi aos tribunais e exigiu seus direitos como criador de alguns dos mais famosos personagens de ficção do mundo. Ganhou. Acertadas as contas, uma nova era de grandeza começou para o Universo Marvel. O cinema agora tinha todas as condições tecnológicas para concretizar o que Stan havia imaginado 40 anos antes.

Em 2000, foi lançado X-Men. O cineasta Sam Raimi soltou o Homem-Aranha em 2002. O filme já rendeu mais de 800 milhões de dólares e teve duas sequências. Hulk ganhou duas versões. O Quarteto Fantástico tem Jessica Alba. Ben Affleck é O Demolidor. Robert Downey Jr. encarnou um perfeito Homem de Ferro. Os personagens de Stan Lee dominaram Hollywood na primeira década do novo milênio. E, para deixar clara a paternidade, Stan fez uma ponta em cada um dos filmes.

Mas nem tudo são sucessos na carreira do Zeus pop. Atualmente, enfrenta dois supermicos. Um é o reality show Os Super-Humanos, reciclagem do velho Acredite Se Quiser. Outro é a ousada adaptação de Homem-Aranha para a Broadway: quatro atores foram hospitalizados tentando voar pendurados por teias sobre o palco. Decadência? Muito pelo contrário.

Stan Lee, com 90 anos, trabalha como nunca e se diverte no Twitter assinando posts em estilo shakespeariano como El Generalíssimo. Os textos poderiam ser encaixados em seu merecido discurso de agradecimento pelo futuro Nobel: “Seja qual for a missão que os ventos do destino me reservarem, a encararei com a coragem e o valor pelos quais sou justamente afamado. Excelsior!”

Dagomir Marquezi

Dagomir Marquezi é uma lenda viva do jornalismo. Talentoso e versátil como poucos, ele se locomove com proficiência não só no jornalismo, mas na literatura, nos quadrinhos, no cinema, na tevê etc. Fora do campo profissional, Dagô, como os amigos o chamam, se dedica a causas como o ambientalismo e a defesa dos animais.

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