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“O fenômeno russo”: 7 ícones da literatura russa que você deveria ler

A riqueza da literatura da Rússia se evidencia através de sua notável constelação de mestres que conferiram moldura ao panorama literário não só russo mas global, explorando aspectos da alma humana de uma maneira que a destaca entre as demais grandes literaturas mundiais.

Elencamos aqui sete de seus mais talentosos autores, cada qual deixou sua marca nessa literatura única que o crítico e romancista inglês E.M. Forster definiu como mais potente até mesmo do que a ficção britânica – isto é, a de seu país -, ao menos quanto à escrita em prosa, que é aquela em que nos concentraremos nesse texto.

Cada autor citado aqui deixou sua marca única na literatura russa e mundial, oferecendo perspectivas diversificadas da alma humana e da sociedade, garantindo seu lugar eterno na cultura literária mundial. Vamos falar sobre eles, então?

1# ALEKSANDR PÚCHKIN (1799 – 1837)

Dentre seus mestres, podemos destacar, em primeiro lugar, Aleksandr Púchkin como um pioneiro ilustre, hábil na fusão de poesia e prosa, como atestam suas obras exemplares, a exemplo de Evguêni Oniéguin e A Dama de Espadas, o primeiro tendo sido escrito em versos e o segundo em texto. Foi Púchkin o responsável pela grande Era de Ouro da literatura russa, que começou no início do século XIX.

Nascido em uma família nobre, neto de um africano protegido pelo czar, sua educação variada e ampla abriu portas para uma mente curiosa e engenhosa. Sua poesia inicial ressoou com a paixão juvenil e a admiração pela cultura francesa. No entanto, à medida que amadurecia, ele adotou uma abordagem mais russa e nacionalista, tecendo a rica herança cultural de sua terra natal em suas obras.

Além das duas obras aqui referidas, podemos mencionar também mais alguns de seus grandes sucessos: O Cavaleiro de Bronze, Boris Godunov e O Prisioneiro do Cáucaso.

O seu legado exemplifica a sua capacidade de explorar uma ampla gama de temas, desde o amor e a vida cotidiana até eventos históricos e questões sociais, através de uma prosa e poesia ricamente detalhadas. Seu impacto na literatura não pode ser subestimado, pois Púchkin não apenas enriqueceu o idioma russo, mas também influenciou gerações subsequentes de escritores.

Sua morte prematura aos 37 anos em um duelo marcou o fim de uma vida brilhante, mas sua chama literária continua a arder através das páginas e da imaginação daqueles que apreciam a profundidade, a originalidade e a beleza de suas palavras.

2# FIÓDOR DOSTOIÉVSKI (1821 – 1881)

Falemos agora do grandioso Fiódor Dostoiévski, um dis escritores favoritos de meu pai, que ostentou maestria no psicologismo literário, mergulhando nas profundezas da mente humana em criações notáveis como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamázov.

Sua vida tumultuada, marcada por lutas pessoais e desafios financeiros, moldou sua narrativa literária de maneira única. Condenado à morte por subversão política e, em seguida, tendo a sua pena comutada para trabalhos forçados na Sibéria, Dostoiévski experimentou as profundezas da angústia humana e da luta existencial, que encontrariam eco em suas obras. Como resumiu Irwin Weil, p.h.D em literatura russa e professor de uma universidade norte-americana, “Dostoiévski, o grande vidente da alma humana, foi um homem que penetrou em fragmentos da personalidade humana que normalmente gostaríamos de manter ocultos”.

Tendo sempre em vista uma doutrina de amor, compaixão e “irmanação universal”, sendo esta o grande legado desse grande romancista russo segundo a estudiosa brasileira Aurora Fornoni Bernardini, sua exploração corajosa do sofrimento humano, a natureza dualista da alma e as crises morais continua a ressoar com leitores contemporâneos, reforçando sua posição como um dos maiores mestres da literatura universal.

3# LIEV TOLSTÓI (1828 – 1910)

Nascido em uma família aristocrática russa, Liev Tolstói, um dos ícones literários mais proeminentes, teceu uma narrativa poderosa que transcende gerações.

Tolstói encontrou inspiração nas vastas paisagens e nas complexidades sociais de sua pátria e suas epopeias monumentais, Guerra e Paz e Anna Kariênina, destacam-se como pilares da literatura universal, cada qual ao seu modo: Guerra e Paz, adaptado contínuas vezes para o cinema e para a televisão, entrelaça as trajetórias de personagens aristocráticos e comuns durante as Guerras Napoleônicas, enquanto Anna Kariênina mergulha nas complexidades das relações humanas, tendo como pano de fundo um caso de amor ilícito entre uma mulher casada e um jovem militar.

Tolstói não apenas retratou a vida russa com riqueza de detalhes, advogando continuamente por reformas políticas e sociais, mas também explorou as dimensões espirituais e morais da existência. Sua busca pela verdade e simplicidade o levou a uma fase de reformulação pessoal, onde se afastou das riquezas materiais em favor de princípios anarquistas e ascéticos. Ele era, inclusive, vegetariano!

4# IVAN TURGUÊNIEV (1818 – 1883)

Embora atualmente mais pessoas estejam familiarizadas com Dostoiévski e Tolstói, é fato que Ivan Turguêniev talvez tenha sido o mais famoso e influente escritor russo entre os três em seus dias. Ele foi, inclusive, o primeiro escritor russo a ser amplamente conhecido no Ocidente, além de ter, em seu romance Pais e Filhos, criado o termo “niilismo”, que serviu para inspirar os revolucionários russos em sua busca por novos modelos políticos.

No entanto, seria Turguêniev um revolucionário? Não, responde o professor Weil. Ele tinha “o temperamento de um legítimo liberal, […] o típico homem que se encontra entre os extremos da opinião pública – o homem cujas opiniões são uma média das polêmicas da sociedade, e que por esse motivo exato é atacado e maldito por ambos os lados, cada qual pensando que ele defende o lado oposto quando deveria estar no seu”. Consequentemente, foi atacado por todos os lados do espectro político russo.

Criado em uma propriedade rural notável, Turguêniev, o herdeiro de um próspero aristocrata, testemunhou suntuosos bailes e concertos realizados em um vasto salão de banquetes, onde os próprios servos atuavam como músicos da orquestra. No entanto, sua infância foi profundamente marcada pela presença de uma mãe temperamental e violenta, e de um pai extremamente frio e distante. Ivan recebeu uma educação meticulosa sob a orientação de preceptoras e tutores, florescendo como um leitor ávido, especialmente atraído pelos românticos do século XIX. Complementando seu aprendizado, embarcou para o exterior quando estava em seus vinte anos. Lá, encontrou uma série de notáveis compatriotas russos, incluindo Bakunin, e imergiu-se nas ideias europeias em voga na época.

Ao retornar à Rússia aos 25 anos, ele personificava a elegância e a sofisticação, exibindo um refinamento extraordinário que se faz notar em sua obra. Seus principais livros, entre os quais o próprio Pais e FilhosMemórias de um Caçador, não notáveis; e, caso a própria história dele lhes pareça interessante, sugiro uma biografia chamada The Edge of the Nestde Christopher Cruise.

5# MAXIM GÓRKI (1868 – 1936)

“Diga sempre o que sente, mesmo que seja rude, não faz mal! Os sábios o compreenderão”, ouviu Górki de Tolstói no dia em que se conheceram.

Ao contrário dos escritores previamente citados, Górki emergiu da pobreza (“das camadas mais baixas do proletariado russo”, afirma Bernardini, para se tornar uma voz proeminente na literatura de sua pátria e o escritor mais celebrado e o homem mais discutido de sua época.

Descrevendo um mundo primitivo e terrível, mas que pode ser redimido pela instrução, pela beleza e pela educação, sua vida pessoal difícil inspirou muitas de suas obras, refletindo a luta dos desfavorecidos. Seu estilo naturalista e seu compromisso com a justiça social definiram seu legado.

A Mãe, é uma de suas obras mais conhecidas, narrando a jornada de Pelágia Nilovna, uma mãe dedicada, enquanto ela se envolve com o movimento revolucionário durante a Revolução Russa de 1905. O livro expõe os dilemas internos de Pelágia, equilibrando seu amor por seu filho com sua paixão por um futuro mais justo para a sociedade. A Mãe é um retrato emocionante da transformação política e pessoal de uma mulher comum, destacando os sacrifícios feitos por ela em nome de uma causa maior.

6# ANTON TCHÉKHOV (1860 – 1904)

Anton Tchékhov resplandece como um mestre do realismo russo e do teatro moderno. Sua prosa refinada e habilidade de capturar as nuances da vida cotidiana elevaram-no a um patamar único. Em suas histórias curtas, Tchékhov explorou os matizes das emoções humanas e a complexidade das relações interpessoais.

Em sua peça O Jardim das Cerejeiras, por exemplo, que é considerada a sua obra-prima, Tchékhov funde elementos cômicos e trágicos enquanto retrata o declínio da aristocracia russa e os dilemas enfrentados por uma família enquanto tenta evitar a venda de sua propriedade. A metáfora do jardim de cerejeiras iminente a ser cortado simboliza a mudança e o efêmero, representando o choque entre o passado e o futuro.

Resume a professora Bernardini: “Tchékhov pensou: vamos colocar Deus de lado, vamos colocar de lado as chamadas ideias progressistas, comecemos pela pessoa, sejamos bons e atenciosos para com a pessoa, seja ela quem for: bispo, mujique, industrial, milionário, trabalhador forçado, empregado de restaurante; comecemos por respeitar, ter compaixão e amar a pessoa, pois sem isso não chegamos a lugar algum”. E, pelo seu amor pela humanidade, argúcia literária e talento, é celebrado até hoje como o grande dramaturgo, contista e romancista que foi.

7# VLADIMIR NABÓKOV (1899 – 1977)

Terminemos essa lista, que infelizmente deixou grandes gênios de lado pelo bem da brevidade, com um autor russo que obteve grande sucesso em tempos um pouco (não muito, confesso) mais próximos dos nossos: Vladimir Nabókov.

Nascido em uma família aristocrática russa, seu destino tomou um rumo inesperado com a Revolução Russa, levando-o a uma vida de exílio e nômades culturais. Sua fluência em múltiplos idiomas e profunda apreciação pela linguagem o estabeleceram como um mestre da prosa.

Uma das obras mais notórias e discutidas da literatura, Lolita, tornou-se um marco ambíguo em sua carreira. A história controversa de um relacionamento entre um homem mais velho e uma jovem adolescente chocou e fascinou o público. No entanto, a importância dessa obra reside na exploração psicológica, na rica narrativa e na habilidade de Nabókov de manipular a língua para transmitir diferentes perspectivas.

Além de seu trabalho literário, Nabókov também deixou um legado duradouro como professor universitário. Ele lecionou literatura em várias universidades nos Estados Unidos, compartilhando seu conhecimento e paixão pela escrita. Sua habilidade em analisar e desmontar textos literários tornou-o um mentor respeitado, influenciando muitos estudantes e colegas escritores.

A vida e a obra de Vladimir Nabókov permanecem como um testamento à profunda conexão entre linguagem, criatividade e exploração intelectual. Sua escrita magistral e sua atuação como professor continuam a inspirar e desafiar a compreensão convencional da literatura (inclusive da russa, sobre a qual escreveu um livro notável, Lições de Literatura Russa) e do mundo.