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“O MMA devia ser um exemplo de convivência pacífica entre atletas e torcedores para o futebol”

Pedro Nogueira Editor-Chefe

Quando cheguei à porta da academia Fit2You, no Itaim Bibi, um bairro nobre de São Paulo, senti uma dose de nervosismo tomar conta do meu estômago. Sim, eu estava com a velha ansiedade pré-entrevista, algo comum no mundo do jornalismo. Em minha carreira, devo ter entrevistado mais de 100 pessoas. Mas esta era diferente. O homem que eu estava prestes a encontrar, Mario Yamasaki, o árbitro brasileiro do UFC, vive de separar lutas entre os atletas mais fortes do mundo. Anderson Silva, Rodrigo Minotauro e Brock Lesnar são apenas alguns dos que foram advertidos (ou mesmo segurados) por Yamasaki dentro do octógono. Seria ele muito bravo? Ou mal encarado? Ou durão? Eram essas as dúvidas que passavam por minha cabeça antes de encontrá-lo.

Eu não poderia estar mais errado — e bastou alguns minutos à mesa com Mario para perceber isso.

Toda a energia que ele demonstra dentro do octógono parece se transformar em calmaria fora dele. Mario fala devagar, é paciente, bem humorado e extremamente simpático. Tivemos uma ótima conversa na qual ela falou de sua profissão e, também, da vida pessoal. “Depois de 22 anos morando nos Estados Unidos, voltei para São Paulo”, ele diz. “Quero aproveitar o momento que o Brasil vive hoje, com a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e aprimorar a indústria do MMA no país.” Mas Mario diz que ainda viaja bastante para os Estados Unidos — não só para arbitrar lutas mas, também, para cuidar das 15 academias que tem por lá.

Para Mario, a realidade do MMA hoje é completamente diferente em relação àquela da época dos pitbulls. “Os lutadores de hoje são grandes exemplos dentro e fora do octógono”, afirma. “A relação pacífica entre os atletas e a torcida do MMA, aliás, deveria servir de exemplo para o futebol. Eu adoraria levar meus filhos para assistir um Corinthians e Palmeiras. Mas tenho medo, porque há muita violência no estádio. Tanto que as torcidas precisam ficar separadas. No UFC, por exemplo, não há necessidade de separar a torcida do Sonnen e do Anderson Silva com uma grade.”

Confira abaixo a entrevista exclusiva que Mario Yamasaki concedeu ao El Hombre.

Muitas pessoas acreditam que o MMA vai acabar com o boxe. Você concorda com isso?

Seria uma pena se isso acontecesse, porque são dois esportes distintos. A ideia do MMA no começo era pegar os melhores lutadores de cada arte e colocá-los para lutar entre si. Só que o MMA evoluiu. Hoje o MMA é um produto sozinho, que mistura elementos de diversas lutas, como o jiu-jítsu e o próprio boxe. Então é até uma covardia comparar os dois.

Minha impressão é que o boxe está decadente pela falta de ídolos.

Depois da era Mike Tyson, o boxe não conseguiu achar nenhum lutador com um nível de carisma igual ao dele. Eles não têm mais um Tyson, um Muhammad Ali. Existem muitos lutadores bons ainda no boxe, é claro, mas são poucos os carismáticos. Isso faz falta. Sem contar que houve muita sujeira, muita corrupção dentro do boxe. Então não foi o MMA que matou o boxe, na verdade foi um suicídio.

Com o MMA acontece exatamente o contrário, não? Há muitos lutadores carismáticos, como o próprio Anderson, o Jon Jones, o GSP…

Sem dúvida. E outra coisa: o MMA é do bem. Você vê sangue, socos e chutes nas lutas. Mas o MMA é um esporte do bem e nós prezamos por isso. O atleta fora do octógono precisa ser um exemplo, um ídolo. O MMA se distanciou daquela imagem de antigamente, do pitbull violento. A coisa começa e termina no octógono. Aqui no UFC acreditamos naquele velho ditado, que diz “quem luta não briga”.

Falando nisso, o MMA às vezes é criticado pelo “excesso de violência” nas lutas. Eu, particularmente, não acho que elas sejam mais pesadas que as do boxe, por exemplo. Qual sua opinião disso?

No boxe, são até 12 rounds de três minutos e você tem uma luva de 16 onças, que é bem macia. Mas como diz a máxima, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Se você vai batendo com aquela luvinha macia do boxe, o machucado vai se formando por dentro, não por fora. No MMA acontece o contrário. A luva é de 8 onças, mais dura. Então você bate e o hematoma já aparece na hora. A cena é forte, mas o machucado fica visível, então é mais fácil o juiz parar uma luta no MMA do que no boxe.

O boxe traz mais sequelas do que o MMA, então?

Sim. Como o MMA é um esporte novo, ainda não podemos falar com exatidão das diferenças entre os dois. Mas estatisticamente, o boxe é muito pior do que o MMA.

Você já arbitrou mais de 400 lutas de MMA na carreira. Já viu alguém se machucar seriamente?

A lesão mais séria que já presenciei foi a de um lutador que quebrou a canela. Rolou um chute de perna com perna e, quando o cara voltou, perdeu o apoio e caiu. Vi também braços quebrarem, mas são ocasiões bastante raras.

O MMA passou por duas fases distintas, a do Pride antigamente e hoje a do UFC. Como você as compara?

Eu acredito que essas fases foram diferentes, mais do que pelas regras, pelo momento que o MMA estava passando. O Pride tinha todo o dinheiro do mundo porque era patrocinado pela máfia, então os melhores lutadores estavam indo para lá. Mas quando os irmãos Fertitta compraram o UFC, investiram quase US$ 40 milhões para fazer o evento funcionar. Foi isso o que transformou o UFC no que é hoje.

E na questão das lutas em si?

Não era tão distante, assim. O Pride tinha um tempo e uma pontuação diferente, é verdade. Mas são poucas as regras que mudaram. Você podia chutar a cabeça do adversário deitado no chão, o famoso tiro de meta, e também dar pisões. Acho que foi bom para o MMA proibir isso, porque você tem que preservar a integridade do atleta. Algumas pessoas acham que o Pride era mais emocionante por isso, porque você podia fazer mais coisas sujas. Mas acho bem perigoso você, em pé, poder dar um chute na cara de um lutador que está de quatro no chão.

De todos os lutadores que você já viu no octógono, qual deles mais te impressionou?

Randy Couture. Não só como lutador, mas como pessoa. Ele foi excelente para a imagem do MMA. Eu diria que, tanto tecnicamente quando estrategicamente, ele foi o melhor que já vi lutar.

E quanto às lutas femininas? Você já arbitrou alguma?

Sim. Hoje em dia há excelentes atletas mulheres no MMA, como a Ronda Rousey, que até ganhou uma medalha de bronze nas Olimpíadas de Pequim, em 2008. No começo eu não gostava de arbitrar lutas femininas, porque elas eram meio cruas. Mas hoje o nível cresceu bastante. O UFC só não tem mulheres lutando ainda porque as atletas de ponta são poucas. Você vê que, até mesmo em alguns eventos masculinos, há problemas no card por causa de lesões. Mas as mulheres estão crescendo no mundo do MMA.

Como é o seu relacionamento com os lutadores fora do octógono?

Durante os eventos, a gente se distancia ao máximo. Afinal, o árbitro precisa ser neutro sempre. Mas com a convivência que temos, é impossível não ser amigo. Fora do octógono é uma relação normal, saímos para tomar uma cerveja e etc.

E como é o Chael Sonnen longe das câmeras? Dizem que aquela marra toda é apenas marketing, não?

O Sonnen é excelente. Carismático, brincalhão, fanfarrão… Só que ele é marqueteiro, consegue as lutas no grito. Naquela época da luta contra o Anderson, até o avisei: “Bicho, você não tá atacando um lutador, mas uma nação.” E ele parou de falar mal do Brasil, até diz agora que ama o nosso país, que é palmeirense.

Falando em Palmeiras, você gosta de futebol?

Sim, torço para o Corinthians. Mas sou um cara que gosta da competição limpa, não fiquei feliz em ver o Palmeiras caindo. Essa questão amigável, aliás, acho que faz falta ao futebol. Não preciso bater em você apenas porque torce para o outro time. Cada um tem o seu direito. Eu gostaria de levar meus filhos e minha esposa para ver um Corinthians e Palmeiras. Só que uma vez fomos a um clássico na Libertadores e, quando eu estava saindo, deu medo. Porque há muita violência no estádio. Tanto que a torcida tem que ficar separada. Você vê o UFC separando as torcidas, por exemplo, do Anderson e do Sonnen? Não. No MMA de hoje é tudo como uma família. O futebol devia seguir este exemplo.

Há cerca de um ano, você criticou a arbitragem do MMA no Brasil, por ser muito protecionista com os atletas nacionais. Você acha que a situação melhorou desde então?

Melhorou, sim. Havia muito protecionismo nas lutas aqui do Brasil. O pessoal se protegia, porque o cara era do jiu-jítsu ou sei lá o quê. Eles precisavam ser mais corretos, mais neutros. Mas a situação melhorou bastante. Já dei dois cursos no Brasil e, no ano que vem, estarei lançando mais quatro. Isso ajudou bastante, os árbitros estão se policiando mais. A organização dos eventos também mudou, eles não querem mais esse protecionismo. Eles querem uma luta neutra, justa, honesta.

Você já pensou em lutar profissionalmente?

Entrei no judô aos 4 anos e pratico jiu-jítsu desde os 22. Mas na minha época as coisas eram diferentes, o mundo do MMA era outro. E quando a coisa se tornou profissional, eu já era mais velho. E ficar tomando tapa na cara de lutadores 10 ou 15 anos mais novos não é legal, né? [rs]

E quanto aos seus filhos? Você os incentiva a lutar?

Tenho uma menina de 9 anos e um menino de 4. Os dois já estão no judô. Acho que a disciplina e a coordenação motora que o judô proporciona são excelentes para qualquer criança. Às vezes me perguntam: mas seu filho será lutador profissional? Eu digo que não sei, isso dependerá dele. Mas que vai saber lutar, vai. Essa é a única coisa que peço a meus filhos, que treinem e participem de alguns campeonatos. Sabe por quê? Pois é bom para a vida. Ali na competição você tem a adrenalina, a emoção. Isso faz bem. Afinal, hoje em dia você vai para rua e a competição está em todo lugar: no vestibular, nos concursos públicos, nas entrevistas de emprego… As pessoas precisam esquecer aquela ideia de que praticar luta é coisa de pessoas violentas. Ela vai te trazer mais equilíbrio, confiança — e te preparar para a vida.