O Oscar de Matthew McConaughey é um prêmio à sua reinvenção

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“Você já tentou atuar?”, perguntou Laurence Olivier para Dustin Hoffman no set de “Maratona da Morte”. Hoffman, seguidor do Método de Lee Strassberg, se submetia a todo tipo de sacrifício físico. Passou uma noite em claro, por exemplo, numa cena em que seu personagem passava a noite em claro.

Matthew McConaughey perdeu 18 quilos para interpretar o caubói de rodeio Ron Woodroof, o protagonista de “Clube de Compras Dallas”. Sua dieta: Coca Cola de manhã; duas claras de ovo na hora do almoço; um pedaço de frango à noite; pudim de tapioca para fechar. E como ele atuou.

McConaughey está impecável como o homofóbico de vida bandida que contrai HIV em meados dos anos 80, quando a Aids era uma sentença de morte. Os médicos lhe dão um mês de vida. Ele resolve brigar, conhece no México tratamentos alternativos e passa a comercializar remédios, oferecendo alguma esperança para doentes condenados a tomar AZT (que Renato Russo definiu, uma vez, como “um cachorro que te come por dentro”).

Ganhou o Oscar. Disputava o favoritismo com Leonardo DiCaprio, muito bom como o picareta Jordan Belfort em “O Lobo de Wall Street”. Ironicamente, quem rouba a cena em “Lobo” é McConaughey, que aparece durante cinco minutos fazendo ruídos guturais que você não esquece mais.

A nova fase de McConaughey está sendo chamada de McConaissance, uma mistura de seu sobrenome com “renaissance”, renascimento. Até três anos atrás, fez uma montanha de porcarias. Estreou com a comédia cult “Jovens, Loucos e Rebeldes”. E então se alternou entre galã e surfista maconheiro. Especializou-se em comédias românticas vagabundas como “O Casamento dos Meus Sonhos” e “Armações do Amor”.

Desde “O poder e a lei”, de 2011, em que faz um advogado de porta de cadeia que dirige um velho Lincoln, ele não erra uma. Encarnou um fugitivo carismático e melancólico em “Mud”. Fez um tira obcecado e quase psicótico na fantástica série policial “True Detective” com o chapa Woody Harrelson.

Até aparecer “Clube de Compras Dallas”, em que contracena com Jared Letto, que venceu como coadjuvante, o melhor travesti do cinema desde Tootsie. McConaughey tem um desempenho incrível, destruindo cada traço de seu sex appeal até sobrar só os ossos.

Aos 44 anos, ele tem uma fundação para estudantes carentes, Just Keep Livin’ (frase tirada de um de seus longas). Seu movimento no sentido de fazer trabalhos relevantes é algo a ser saudado. Num mundo em que cada vez mais artistas se vendem por qualquer coisa — de Roberto De Niro a Roberto Carlos — é um alívio ver alguém traçando o caminho inverso.

Kiko Nogueira

Kiko Nogueira é editor do Diário do Centro do Mundo. Ele foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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