Antigamente, antes das borrifadas glamourosas de álcool e sprays que conhecemos hoje, o perfume era uma experiência bem diferente — densa, oleosa, ritualística e profundamente simbólica. O trailer de Odisseia, de Christopher Nolan, nos remete a um mundo épico em que os sentidos eram um guia do humano para o divino.
Imaginemos, então, como o cheiro figurava na vida e no estilo dos gregos antigos, uma civilização que via a fragrância como um portal entre o corpo, o mito e o sagrado.
Os gregos não usavam “perfume” no sentido moderno, feito de álcool e moléculas voláteis. Em vez disso, o que hoje chamaríamos de fragrância era, essencialmente, óleo perfumado — um unguento espesso, aplicado diretamente sobre a pele. Esses óleos estavam presentes no cotidiano, em rituais religiosos e até na construção da identidade social.
Na mitologia grega, o perfume tinha origem divina. Histórias ligadas a deuses como Afrodite associavam flores e aromas ao amor, à beleza e ao poder de sedução. Certas plantas aromáticas eram vistas como presentes dos deuses aos homens, carregando significados que iam muito além do cheiro.
Nos rituais religiosos, aromas tinham papel central. Óleos perfumados e incensos eram oferecidos nos templos como forma de agradar às divindades. Acreditava-se que o aroma era uma linguagem compreendida pelos deuses, uma ponte invisível entre o mundo humano e o divino.
Essa visão ajudou a consolidar o perfume como algo quase sagrado. Não era apenas um adorno, mas uma forma de expressão espiritual e cultural profundamente enraizada na vida grega.
Para entender o perfume grego, é preciso esquecer o álcool. Os gregos utilizavam principalmente o óleo de oliva como base, já que ele era abundante, estável e excelente para absorver aromas. O óleo “segurava” o cheiro das plantas por mais tempo sobre a pele.
De forma simples, o processo consistia em macerar flores, ervas ou resinas aromáticas dentro do óleo. Em alguns casos, essa mistura era aquecida lentamente, o que ajudava a transferir o aroma das plantas para o óleo. Depois, o material sólido era filtrado.
O resultado era um óleo perfumado concentrado, aplicado com as mãos ou armazenado em pequenos frascos de cerâmica. Sem evaporação rápida, como acontece com o álcool, o aroma permanecia próximo ao corpo, mais íntimo e menos expansivo.
Os ingredientes vinham tanto da própria Grécia quanto de rotas comerciais que ligavam o Mediterrâneo ao Egito e ao Oriente. Flores, ervas, especiarias e resinas eram usadas conforme disponibilidade e status social. Entre os elementos mais comuns estavam:
Cada aroma carregava simbolismo. Alguns estavam ligados à sedução, outros à purificação, à proteção ou à saúde. Perfumar-se era também uma forma de comunicar intenção e posição social.
Na Grécia antiga, o uso de óleos perfumados não era restrito às mulheres. Homens também se perfumavam, especialmente após o banho ou a prática de exercícios físicos. Atletas, por exemplo, untavam o corpo com óleo perfumado antes e depois das competições.
Esses óleos eram guardados em pequenos recipientes e usados em momentos específicos do dia. Havia até lojas especializadas na venda de óleos aromáticos em cidades como Atenas, indicando um mercado ativo e sofisticado.
Além da função estética, o perfume estava ligado à higiene e ao autocuidado. Um corpo perfumado era sinal de civilidade, disciplina e refinamento.
Mas o perfume grego não se limitava à pele. Casas, roupas, templos e até estátuas eram ungidos com óleos aromáticos. A arte antiga, que hoje nos parece branca e silenciosa, era vivida de forma sensorial, cheia de cheiros e texturas. O uso dos óleos perfumados tinha várias funções simultâneas:
Ao assistir ao trailer de Odisseia, fica fácil imaginar Ulisses atravessando paisagens carregadas não apenas de imagens, mas também de aromas: o cheiro do mar, dos óleos sobre a pele, da madeira dos navios e dos templos.
Na Grécia antiga, viver era também cheirar. O perfume não era um detalhe supérfluo, mas uma extensão da identidade e da relação com o mundo. Um legado essencialmente oleoso, íntimo e humano — muito distante do spray moderno, mas profundamente conectado à ideia de estilo e presença.