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Resenha: Random Access Memory
Resenha: Random Access Memory

Por que adoramos “Random Access Memory”

Random Access Memory é um Discaço. Um Discaço, assim, com letra maiúscula. Como havia muito tempo que eu não ouvia.

Se eu tivesse que resumir numa imagem é a do filho pródigo voltando para casa dizendo “sim, aqueles botões fizeram ruídos muito divertidos, mas não é aquilo que me faz nem faz ninguém chorar. É isto aqui”.

Este disco tem melodia, tem arranjo, tem emoção pra burro. Tem começo, meio e fim, tem letras lindas. Tem tem soul, tem disco, tem funk, tem rock e tem música eletrônica. Tem instrumentos orgânicos, o que sequer faz grande diferença diante do todo. Só para não ficar sem um ponto fraco, eu diria que em certos momentos me falta um pouco de peso.

Para situar o leitor que não conhece bem a dupla francesa, estes caras foram participantes importantes do desenvolvimento da música eletrônica contemporânea. Os dois primeiros álbuns, Homework (1997) e Discovery (2001) já podem ser considerados clássicos. Era uma leitura inteligente e emotivamente rica da dance music.

Algo, no entanto, se perdeu no seu terceiro álbum, Human After All, de 2005. Ali, parecia que eles acharam que a estética da música – seus ruídos e timbres – poderia fazer uma obra. Não faz, e um dos resultados foi que Human After All vendeu menos desde 2005 do que Random Access Memory em 2 semanas.

E então chega Random Access Memory.

O álbum abre com a boa Give Life Back To Music. É uma batida disco com guitarras soul, sonoridade clara e ambiência alta. O riff fabuloso de guitarra chama a voz, ainda com o típico efeito em pitch do Daft Punk. Aí, ao pedir para que “se deixe que a música tenha vida”, o que te espera pela frente já parece claro.

Mesmo sendo aberto com este bom suíngue, o que segue é um disco surpreendentemente bonito e humano – repito, muito menos pela instrumentação com quase nada de bateria eletrônica ou sintetizadores, e muito mais pela melodia e pelos caminhos tomados.

Na quarta faixa, Within, você nota que algo definitivamente mudou nos caras. Uma canção que poderia estar em And Nothing Turned Itself Inside Out, do Yo La Tengo ou, eventualmente com um tapa no arranjo, poderia estar num álbum do Elton John dos anos 90.

Get Luck é a oitava faixa e o primeiro single do álbum. É a música do vídeo que está postado. Com a participação de Nile Rodgers, é um disco-soul que lembra um possível Bee Gees dionisíaco. O tema da letra, embora uma repetição dos temas de vida noturnos velhos já desde a disco dos anos 70, não compromete. É uma ótima música de dance floor.

Há uma faixa que pode resumir este álbum. Chama Touch. Fala da falta que o toque humano faz. É a sétima faixa. Imagino que o toque a que se referem seja, de alguma forma, a música humanizada.

Ela começa com uma ruideira eletrônica, e até te faz pensar “vixe, já desistiram”. Mas aproximadamente um minuto depois, a bela voz de Paul Williams começa a cantar. Em uma passagem, na qual fala sobre um quadro, diz “um turista num sonho? Um visitante, parece. Uma música esquecida pela metade. Onde é o meu lugar?”

Para mim, parece que a dupla se pergunta onde é o seu lugar na música. Porque este álbum, lamento, mas não é de música eletrônica. Ainda que seja feito de samples, como tem gente na internet dizendo, não importa. A mensagem final é orgânica. É um álbum de disco-soul.

Pois bem.

Se perguntarem para mim, direi que o lugar deles é fazendo música boa, não importa como.