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Por que o novo Planeta dos Macacos é o melhor filme da franquia

Grandes obras da ficção científica criam cenários distantes da realidade para mostrar uma metáfora que nos faz refletir. Mas há obras que não só fazem isso muito bem, como também permanecem atuais muitas décadas depois de serem lançadas e ainda dão margem para novas releituras que propiciem novas reflexões.

Em 1963 foi publicado O Planeta dos Macacos (La planète des singes), romance escrito pelo francês Pierre Boulle. Cinco anos depois, surgia sua primeira adaptação para o cinema.

O filme homônimo (Planet of the Apes, 1968), dirigido por Franklin J. Schaffner e com Charlton Heston como protagonista, foi muito elogiado e virou um clássico da sétima arte. Com algumas diferenças marcantes para a obra original, além de uma histórica cena final, a ficção científica ganhou muitos fãs, com diversas reflexões sobre a sociedade e a natureza humana.

Nos cinco anos seguintes vieram quatro continuações, sendo que apenas o terceiro filme da franquia, Fuga do Planeta dos Macacos (Escape from the Planet of the Apes, 1971), conseguiu manter alguma qualidade do original.

Em 2001, Tim Burton dirigiu a nova versão de Planeta dos Macacos, que, deixando a história ainda mais diferente da original, não agradou a crítica, apesar da fantástica maquiagem e dos números de bilheteria.

Eis que três anos atrás a franquia voltou aos cinemas, agora com um prequel/reboot, contando o início do processo que faria com que o planeta fosse dominado por gorilas, orangotangos e chimpanzés. Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of the Planet of the Apes, 2011) foi bastante elogiado, introduzindo novos personagens e reflexões, e abrindo espaço para esse novo e excelente filme.

E chegamos a este Planeta dos Macacos: O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes), o primeiro a superar o filme de 1968, tanto na avaliação popular dos sites IMDb e Rotten Tomatoes quanto na avaliação da crítica. Realmente, é uma obra quase irretocável. Reflexivo, com bastante ação e tecnicamente impecável. O único ponto negativo talvez seja a falta de profundidade de alguns personagens humanos.

O design de produção é primoroso, tanto ao mostrar a degradação de San Francisco quanto a aldeia dos símios. A perfeição do trabalho de efeitos visuais deve abocanhar todos os prêmios da temporada, dando detalhes, movimentos e sentimento a todos os primatas. Trabalho que acaba ressaltando as excepcionais atuações em motion capture – e vice-versa -, e não apenas de Andy Serkis (Cesar), como também de Toby Kebbel (Koba) e Nick Thusrton (Olhos Azuis).

O filme começa mostrando como os símios superdotados após a contaminação do vírus que dizimou a maioria da humanidade estão organizados numa sociedade onde conversam através de linguagem de sinais e já até aprenderam a dominar o fogo. São todos como uma grande família, pacíficos e com um lema, “macaco não mata macaco”.

Os símios estão se humanizando, para bem e para mal. Eles também não são santos, já aprenderam a domesticar cavalos (ponto negativo para a produção também, já que, diferentemente dos outros animais, foram usados cavalos reais), mas ao menos conseguem viver em harmonia com seus semelhantes.

Quando os humanos surgem em cena, a confiança então passa a ser testada, em todos os sentidos. A confiança de humanos em macacos, de macacos em humanos, de humanos em humanos e de macacos em macacos. E por mais que saibamos quem são os bonzinhos ali, jamais deixamos de temer que a confiança seja quebrada, dando início a uma guerra. Queremos que confiem uns nos outros, ao mesmo tempo em que não recriminamos quando alguém acha que a confiança é excessiva.

Personagem complexo e protagonista dessa nova franquia, Cesar conheceu de perto a maldade humana, mas também teve um contato muito íntimo com a compaixão que nossa espécie é capaz de sentir e demonstrar. Se no primeiro filme seu caráter e sua liderança foram moldados, aqui eles são testados de diversas formas.

Por outro lado, Koba conheceu apenas a nossa face mais obscura e carrega marcas difíceis de serem esquecidas. E quem conhece melhor esses dois lados do ser humano do que o próprio espectador? Por isso temos consciência do quão difícil é tomar uma decisão como as que o líder primata deve tomar.

Mas a sociedade símia já tem tantas semelhanças com a humana que, assim como nós, eles não são feitos apenas de seres bons ou seres maus. Assim como há bondade e generosidade em ambos os lados, também há idiotas em ambos os lados. E, no final das contas, esses idiotas estão “apenas” lutando pela sobrevivência de seus iguais. De uma maneira absolutamente recriminável, é verdade, mas sem maniqueísmo.

Logo, mais do que uma guerra ou a possível convivência harmoniosa entre humanos e macacos, o filme trata sobre o embate entre aqueles que acreditam na convivência pacífica e aqueles que não.

Mais uma vez, o conflito contra orangotangos, gorilas e chimpanzés pode ilustrar tanto a maneira como o ser humano se relaciona com outras espécies, como a maneira como ele se relaciona com os “diferentes” da própria espécie. As duas leituras são igualmente válidas. Em tempos de discussões sobre direitos animais, em tempos de assassinatos movidos pelos mais diversos tipos de preconceito, é difícil um filme como Planeta dos Macacos: O Confronto não levar o espectador a refletir.

Mas em tempos de conflitos em Gaza, o difícil se torna impossível. A melhor defesa é o ataque? Enquanto houver gente (sejam humanos ou símios) que acredita nisso e na guerra como a resolução de problemas, essas pessoas destruirão qualquer tentativa de paz organizada por aqueles que acreditam na convivência tranquila. E, no meio de uma guerra, atitudes humanistas tornam-se ainda mais belas, mesmo que devessem ser o normal, e não algo notável.

A série, que parece imortal, tanto em criatividade quanto em reflexão, nunca deu uma visão otimista de uma sociedade humanizada, fosse ela regida por macacos ou por humanos. Planeta dos Macacos: O Confronto talvez seja o ápice de seu pessimismo, ou talvez seja apenas impressão minha pelo momento que o mundo vive. Mas certamente é um filme tão belo quanto pessimista.