Cultura Olfativa

Por que só no Brasil existe Deo Colônia e Deo Parfum? O que eles significam?

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O Brasil é um dos maiores mercados de perfumaria do mundo, mas opera sob regras próprias que desafiam qualquer lógica internacional. Enquanto Europa e Estados Unidos seguem fielmente as categorias Eau de Toilette, Eau de Parfum e Parfum, o consumidor brasileiro se acostumou a dois termos que simplesmente não existem fora do país: Deo Colônia e Deo Parfum.

Essa diferença não é estética, nem meramente cultural. Ela nasce de impostos, leis sanitárias e uma estratégia industrial cuidadosamente construída ao longo de décadas. Entender o que esses nomes significam exige olhar além do cheiro e entrar no território da tributação, da regulação e da química aplicada.

No mercado global, a classificação de um perfume é objetiva. O nome indica a concentração de essência aromática presente na fórmula, diluída em álcool e água.

Uma Eau de Cologne costuma ter entre 2% e 5% de concentração. A Eau de Toilette varia de 5% a 15%. A Eau de Parfum se posiciona entre 15% e 20%, enquanto o Parfum ou Extrait ultrapassa facilmente os 20%, chegando a 40% em criações de alta perfumaria.

A ruptura brasileira: por que o “Deo” entra em cena

No Brasil, essa lógica se rompe por um motivo central: o imposto sobre produtos industrializados (IPI). A legislação brasileira trata o perfume puro como artigo de luxo, enquanto itens de higiene pessoal são considerados essenciais. Essa distinção gera uma diferença brutal de carga tributária:

  • Perfumes classificados como extrato (NCM 3303.00.10): 42%
  • Águas-de-colônia (NCM 3303.00.20): 12%
  • Desodorantes corporais (NCM 3307.20): 7%

Na prática, chamar um produto de perfume pode significar pagar 30 a 35 pontos percentuais a mais de imposto. É nesse cenário que surge o prefixo Deo.

Deo Colônia: perfume de uso diário com imposto reduzido

A Deo Colônia brasileira não tem nada a ver com a Eau de Cologne europeia. No mercado nacional, ela ocupa o espaço funcional da Eau de Toilette — e muitas vezes o ultrapassa.

As grandes marcas formulam Deo Colônias com concentrações que variam entre 10% e 18%, garantindo fixação média de 6 a 8 horas, mesmo em clima quente. O nome “colônia” não indica leveza, mas sim enquadramento fiscal.

Ao ser classificada como colônia ou desodorante colônia, a fragrância escapa do IPI de 42% e passa a pagar 12% ou até 7%, dependendo da interpretação fiscal. Isso permite preços mais competitivos e uso mais generoso, algo profundamente alinhado ao hábito brasileiro.

Deo Parfum: Eau de Parfum disfarçado de higiene pessoal

O Deo Parfum surge quando o consumidor brasileiro passa a exigir mais rastro, mais presença e mais longevidade, sem aceitar o salto de preço causado pela tributação máxima.

Na prática, um Deo Parfum trabalha com concentrações entre 15% e 25%, equivalentes — e às vezes superiores — às de um Eau de Parfum importado. A promessa é clara: fixação acima de 10 horas e projeção intensa.

O que impede esse produto de ser tributado como extrato não é o cheiro, mas a função declarada. Ao manter o prefixo Deo, a indústria sustenta o argumento de que se trata de um item de higiene pessoal com ação desodorizante, e não apenas um adorno olfativo.

A regras dos 10% e a virada do CARF

Durante décadas, a Receita Federal utilizou um critério informal para diferenciar colônia de perfume: acima de 10% de concentração seria extrato, automaticamente tributado a 42%.

Esse entendimento colocava a indústria em um impasse. Para competir com importados, era preciso aumentar a concentração. Para manter preços viáveis, era preciso evitá-la.

Esse cenário começou a mudar em decisões recentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. O CARF afastou o uso automático da concentração como critério de enquadramento, reconhecendo que não existe base legal vigente que obrigue um perfume com 15% ou 20% de essência a ser classificado como extrato.

O impacto é profundo: hoje, um Deo Parfum pode ter alta concentração e ainda assim permanecer nas faixas de 7% ou 12% de IPI, desde que cumpra os requisitos técnicos de desodorante ou colônia.

A exigência química que sustenta o nome “Deo”

O termo Deo não é apenas retórico. Para que ele seja aceito pela Anvisa e pelo fisco, o produto precisa conter agentes bacteriostáticos que inibam as bactérias responsáveis pelo mau odor.

Esses ativos não bloqueiam o suor, mas impedem sua decomposição. É essa função que diferencia legalmente um Deo Parfum de um perfume internacional clássico, composto apenas por álcool, água e fragrância. Sem esse componente funcional, o produto perde o álibi regulatório e corre risco de reenquadramento fiscal.

Cultura do banho, uso abundante e identidade nacional

Existe ainda um fator cultural decisivo. No Brasil, perfume é extensão do banho. A colônia sempre foi tratada como item de higiene diária, aplicada em quantidade generosa.

Historicamente, perfume era luxo. Colônia era necessidade. Ao manter essa terminologia, mesmo em fragrâncias sofisticadas, as marcas reforçam a legitimidade do uso frequente e evitam o estigma do excesso.

O Deo Parfum nasce exatamente dessa evolução: entrega o rastro intenso que o consumidor deseja, sem romper com a lógica cultural e tributária que sustenta o mercado.

No fim das contas, a tradução real é direta:

  • Deo Colônia equivale a uma Eau de Toilette tropicalizada, com 10% a 18% de concentração e fixação de até 8 horas.
  • Deo Parfum equivale a uma Eau de Parfum, com 15% a 25% de concentração e desempenho superior a 10 horas.

Esses nomes não indicam perfumes fracos. Eles indicam perfumes adaptados à realidade brasileira, pensados para oferecer alta concentração, boa fixação e uso confortável no clima tropical, sem romper com as regras que estruturam o mercado nacional.

No Brasil, Deo Colônia e Deo Parfum não são exceções nem improvisos. São categorias consolidadas, criadas para atender ao hábito de uso abundante, à busca por desempenho e à forma como a perfumaria se desenvolveu no país ao longo do tempo.

Pedro Nogueira

Fundador e editor-chefe do "El Hombre" e do "Moda Masculina".