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Por que “Breaking Bad” é uma série imperdível

O ponto de partida é original e simples: o professor de química Walter White tem câncer no pulmão em estágio avançado.  Casado com a linda quarentona Skyler, grávida, ele tem um filho de 16 anos com paralisia cerebral, Walter Jr. Preocupado com a família – ele é professor de ensino médio e vive num subúrbio de Albuquerque, Novo México –, White quer deixá-la com um futuro menos incerto. Químico brilhante, sua solução é fabricar a melhor metanfetamina (uma droga sintética mais poderosa que o crack) do mercado. Para ajudá-lo, recruta seu ex-aluno Jesse Pinkman. White e Pinkman ficam ricos, transformam-se em chefões do narcotráfico e transformam sua vida, e a dos outros, numa montanha russa.

Um argumento desses, você diria, não segura duas horas de filme, que diria seis meses. Mas Breaking Bad estreou em 2008 e está na quinta temporada. Passa no Brasil no canal fechado AXN. Termina o ano que vem e tem sido aclamadíssima pelos críticos e pelo público, faturando vários Emmy, o Oscar televisivo.

A série é catalogada como drama, mas como acontece com as grandes obras, vai muito além de qualquer categorização. Tem humor negro, tragédia, comédia do absurdo (o policial no encalço de White, Hank Schrader, é um sujeito bonachão, gente fina, com síndrome do pânico, por acaso seu cunhado e grande amigo). Tem uma crítica ao consumismo americano e à cultura do loser e de se vencer a qualquer preço. Tem também, como as grandes obras, uma moral.

A vantagem de uma boa série sobre um filme é que a trama se estende e os personagens podem ser mais bem desenvolvidos, ganhando em complexidade. White cria um alter ego criminoso, Heinsenberg, e se descobre capaz de vilanias como desintegrar um corpo utilizando ácido. Ele sofre, ele tem conflitos internos com o caminho que escolheu – mas ele está disposto a tudo por Skyler e os filhos. E, claro, acaba fascinado e absorvido por seu lado negro. White/Heisenberg pode ser um canalha numa temporada e um bom pai de família na outra. Seja como for, você estará torcendo por ele.

O criador é o americano Vince Gilligan, ex-produtor de Arquivo X. Gilligan escreve, dirige e produz Breaking Bad (a expressão, aliás, significa desafiar a autoridade ou chutar o balde. Serve também para designar o estudo das alterações químicas). Bryan Cranston é Walter White. Cranston foi o Tim Whatley de Seinfeld, o dentista que se converteu ao judaísmo só para contar piadas de judeus. Ele afirmou numa entrevista à revista Rolling Stone que a dor de seu personagem vem das lembranças de seu pai alcoólatra, que passou dez anos sem ver. Aaron Paul faz Jesse, seu parceiro ambicioso, perdido e ocasionalmente idiota, capaz de salvar um garotinho e de vender droga para os pobres frequentadores de uma reunião de rehab. Dean Norris (Hank), coadjuvante em filmes de ação de Hollywood, é um cunhado de anedota, obrigado a lidar com os tiras, os bandidos e a mulher, Marie, cleptomaníaca.

Não há espaço para um clichê, uma frase vazia (incluindo as conversas cheias de gírias entre os traficantes). Os diálogos são duros e diretos ao ponto, na melhor tradição dos romances noir americanos.

– Eu tomei uma série de decisões erradas e não posso tomar mais uma, diz White para seu “empregador”, o mafioso Gustavo Fring.

– Por que você tomou essas decisões?

– Pelo bem da minha família.

– Então não foram decisões erradas. O que faz um homem, Walter? Um homem provê sua família.

– Elas custaram minha família.

– Quando você tem filhos, você sempre tem família. Eles sempre serão sua prioridade, sua responsabilidade. E um homem, um homem provê. E ele faz isso mesmo que não seja admirado, respeitado ou mesmo amado. Ele simplesmente resiste e faz isso. Porque ele é um homem.

Gilligan, um nerd, ainda achou um jeito de tornar química uma coisa divertida. A ciência é usada para construir baterias de carro a partir de sucata, criar um veneno com feijões ou um explosivo com mercúrio para intimidar um chefão psicótico. E a trilha é perfeita: Out of Time Man, do australiano Mick Harvey; Red Moon, dos Walkmen; e um punhado de canções mexicanas, sendo a melhor delas Negro y Azul, em que o trio de mariachis Los Cuate de Sinaloa conta a saga de Heinsenberg como um coro de tragédia grega.

O problema de Breaking Bad é que, como a metanfetamina, a série vicia. Fica difícil esperar toda uma semana pelo próximo episódio. Inevitável ver as quatro temporadas do Netflix numa sequencia. Mas e as outras duas? Antes de partir para a pirataria, desesperado, ponha a mão na consciência e lembre-se do grande Heinsenberg: isso pode custar a sua família.