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Será possível o Mars One sair do papel?

Thiago Sievers Head de Parcerias

Nessa semana o clima ficou tenso na redação. Mais especificamente, nosso editor-chefe ficou tenso. Em agosto do ano passado nós publicamos um texto falando sobre o Mars One, o projeto do holandês Bas Lansdorp que planeja levar seres humanos para viver pelo resto de suas vidas em Marte e fundar uma colônia humana no planeta vermelho. Naquela altura a ideia soava como um dos planos infalíveis do Cebolinha (geniais mas que nunca deram certo) e Pedro Nog afirmou que cortaria um de seus pés caso o projeto desse certo.

Hoje, no entanto, o quadro mudou sensivelmente (não mais do que isso, eu diria) com o anúncio de Lansdorp de que mais de 100 mil pessoas se inscreveram para o reality show. E contando. Eis o motivo da tensão de nosso chefe, que se nega a aceitar nossa proposta de desistir agora da aposta e se despedir apenas de um dedinho – à sua escolha.

A maioria dos incrédulos veem a questão financeira como o maior obstáculo para a efetivação do Mars One, já que é necessário cerca de US$ 6 bilhões para realizar o projeto. Esse dinheiro todo será recolhido por meio de investimentos privados, de doações pelo site e, principalmente, por meio da venda de imagem ou de qualquer outro produto que o reality show produzir. Mas também existe o dinheiro da taxa de inscrição dos interessados em serem os astronautas.

Para que esses possam ir a Marte (e não voltar nunca mais) devem preencher um cadastro com currículo, vídeo e motivos pelo qual estão fazendo a aplicação, e pagar um valor de inscrição. Esse valor varia conforme o PIB de cada país. Nos Estados Unidos, por exemplo, custa US$ 38; já no México, US$ 15. Fazendo uma média descompromissada de US$26 por pessoa e levando em consideração que os caras esperam alcançar 500 mil candidatos até o dia 31 de agosto, quando encerram as inscrições, eles já teriam cerca de US$ 13 milhões na conta.

Ah, já é alguma coisa, mesmo que não represente 1% da necessidade monetária do Mars One. Mas tudo bem, pois a intenção de Bas com a taxa de inscrição não é engordar o caixa consideravelmente. “Nós quisemos que (o valor) fosse alto o suficiente para que as pessoas realmente tivessem que pensar na proposta e baixo o bastante para que qualquer um fosse capaz de pagar”, disse o CEO do Mars One.

A ideia é que ainda esse ano eles consigam fazer uma triagem de todos os inscritos para alcançar o número de 40 candidatos vindos dos quatro cantos do mundo. Desses 40, apenas 4 seriam selecionados (2 homens e 2 mulheres) e já no ano que vem o treinamento começaria, assim como a transmissão do reality show. Então, no segundo semestre de 2022, após 8 anos de preparo, os 4 astronautas seriam enviados ao planeta marciano, que já contaria com as instalações necessárias para a sobrevivência de seus novos residentes.

As cápsulas que servirão de veículo interestelar funcionarão também como parte do habitat humano e serão capazes de carregar cerca de 2,5 toneladas cada. Alimentos e outras utilidades serão transportados por elas, naturalmente. Mas água ou oxigênio, não. Pelo menos não muito dessas duas substâncias. Existe água no solo de Marte e os astronautas serão treinados para poderem retirá-la de lá e, após trabalharem no processo de filtração, bebê-la.

Essa mesma água será usada também para a obtenção do oxigênio que permitirá aos humanos respirarem normalmente em seus lares. Além disso, os candidatos serão preparados para saber lidar com as mais variadas situações que a vida carinhosamente nos proporciona: necessidade de reparos na estrutura das casas, plantio de vegetais, cuidados médicos, tanto básicos quanto específicos, entre outras.

Um outro obstáculo consideravelmente ameaçador ao Mars One é a questão dos riscos vitais que uma viagem dessas oferece ao organismo humano. A NASA não permite que seus astronautas fiquem expostos à níveis de radiação que podem aumentar em 3% os riscos de desenvolvimento de câncer. Para que esse número não seja superado, os cosmonautas podem ficar no espaço por no máximo 500 dias. Uma viagem sem volta a Marte certamente não passaria nessas exigências da agência espacial americana. Mas Lansdorp não parece estar muito preocupado com o assunto: “O risco de viagens espacias em geral já são bem altos, portanto a radiação realmente não é nosso maior problema.”

Esse negócio de viajar para Marte parece estar ficando na moda — algo semelhante as viagens à América do século XVI. “Vamos ao mundo novo”. Existe ainda um outro projeto que pretende levar pessoas ao planeta em voga. Seu nome é Inspiration Mars. O plano é realizar uma viagem segura de 501 dias (por que 501? Não poderia ser 499?) entre os dois planetas com passagem de ida e volta em 2018.

A dupla (um homem e uma mulher) selecionada pela Inspirations Mars não experimentaria o solo vermelho com os próprios pés, apenas navegaria com a espaçonave sobre ele. Segundo informações do próprio projeto, eles têm como parceiros a NASA (eu sei, algo não encaixa nessa história) e mais três outras empresas que trabalham com assuntos espaciais.

O objetivo, de acordo com o site, é avançar em pesquisa e tecnologia — mas não somente isso. Sem nenhum problema com a demonstração de nacionalismo gratuito, o projeto tem como slogan a frase: “Uma missão para a América” (aka Estados Unidos). O IM parece não estar interessado em representar a humanidade em Marte, apenas os EUA. “O projeto valida todo o investimento do contribuinte na tecnologia da NASA e fortalece a posição dos Estados Unidos como líder em exploração”, diz o site

Ah, isso tudo é parte de uma guerrinha de poder, então? Se sim, alguém precisa avisar esses caras que a evolução é uma estrada de mão dupla. De que adianta o progresso intelectual sem o progresso moral? Se for para ir a Marte destruir mais um planeta, é melhor que esses projetos não passem de planos infalíveis como os do Cebolinha.