Cultura Olfativa

Yves Saint Laurent: o estilista que transformou perfume em atitude

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Poucos nomes na moda conseguiram ir além das roupas com tanta força quanto o de Yves Saint Laurent. Mesmo quem nunca vestiu uma criação do estilista já teve algum contato com o universo dele por meio de um perfume.

E não é exagero dizer que, para Saint Laurent, fragrâncias não eram um produto paralelo, mas uma extensão natural da sua visão estética, do seu espírito provocador e da sua leitura do mundo contemporâneo. Entender sua trajetória na perfumaria ajuda a compreender melhor quem ele foi como criador e como personalidade cultural.

Um jovem prodígio que mudou a moda

Yves Saint Laurent nasceu em 1936, na Argélia, então colônia francesa, e chegou a Paris ainda adolescente, já obcecado por desenho e silhueta. Aos 21 anos, assumiu a direção criativa da Dior, tornando-se o mais jovem estilista a comandar uma grande maison. Esse começo meteórico moldou sua visão: moda precisava dialogar com o presente, com a rua e com o comportamento.

Desde cedo, Saint Laurent mostrou fascínio por mulheres fortes, independentes e livres. Ele criou o smoking feminino, popularizou peças antes restritas ao guarda-roupa masculino e quebrou códigos sociais com elegância. Esse mesmo espírito seria levado mais tarde para os perfumes da Yves Saint Laurent, que nunca foram pensados como algo discreto ou neutro.

A entrada de Yves Saint Laurent na perfumaria

A perfumaria entrou oficialmente na história da marca em 1964, com o lançamento do Y, o primeiro perfume da Yves Saint Laurent. O nome simples escondia um conceito sofisticado: uma fragrância que traduzisse o estilo do estilista, sem concessões.

Saint Laurent se envolvia de verdade no processo criativo, opinando em tudo, do cheiro ao frasco. Diferente de outros designers que viam o perfume apenas como licenciamento, ele entendia a fragrância como linguagem. Era uma forma de vestir a pele, de expressar atitude mesmo sem roupa. Não por acaso, seus perfumes sempre carregaram mensagens claras, muitas vezes provocativas, refletindo o mesmo espírito das passarelas.

O perfume como manifesto criativo

O maior exemplo dessa abordagem é o Opium, lançado em 1977. O nome gerou polêmica imediata, campanhas foram censuradas e debates se espalharam pela imprensa. Para Saint Laurent, provocar fazia parte do jogo. O perfume não era apenas uma fragrância oriental intensa, mas um comentário sobre desejo, excesso e transgressão.

Esse não foi um caso isolado. O Kouros, inspirado na Grécia Antiga, exaltava a masculinidade de forma direta, quase bruta, algo incomum para a época. Já o Rive Gauche celebrava a mulher moderna, urbana e emancipada, dialogando com o prêt-à-porter que o estilista ajudou a popularizar. Cada perfume funcionava como um capítulo da sua visão estética.

Construção de uma identidade olfativa

A força da perfumaria da Yves Saint Laurent está na coerência. Mesmo com estilos diferentes, existe um fio condutor claro: perfumes marcantes, com presença, feitos para quem não quer passar despercebido. Saint Laurent acreditava que elegância não tinha a ver com timidez, mas com personalidade.

Outro detalhe pouco comentado é a atenção aos frascos. Muitos deles foram desenhados com referências diretas à arte, à arquitetura e até à própria moda. O frasco do Opium, inspirado em caixas japonesas, e o design ousado do Kouros mostram como o visual era parte essencial da experiência. Nada era aleatório.

Moda, arte e excessos pessoais

A vida pessoal de Yves Saint Laurent também influenciou sua criação. Ele era um homem sensível, introspectivo e, ao mesmo tempo, cercado por excessos. Frequentava artistas, intelectuais e figuras da noite parisiense, convivendo com nomes como Andy Warhol e Catherine Deneuve, que virou uma de suas musas.

Essa dualidade aparece claramente na perfumaria. Há perfumes delicados e outros intensos, quase desafiadores. Saint Laurent dizia que criava para mulheres e homens reais, com contradições, desejos e fragilidades. Essa humanidade ajudou a tornar suas fragrâncias atemporais, mesmo décadas após os lançamentos originais.

Mesmo após a saída de Yves Saint Laurent da direção criativa e sua morte, em 2008, a perfumaria da marca continua forte. Lançamentos como o Black Opium mostram como o DNA provocador ainda está presente, agora adaptado a novas gerações. A base continua a mesma: intensidade, identidade e impacto.

Pedro Nogueira

Fundador e editor-chefe do "El Hombre" e do "Moda Masculina".