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Charles Dickens // Escritores que todo homem deveria ler #4

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Sou obcecado por Dickens. Por várias razões.

Por sua imensa simpatia pelos pobres, pelos desfavorecidos. Pela sua generosidade pessoal. Pelo seu caráter, que fez um contemporâneo afirmar que ele jamais perdeu um amigo ou ganhou um inimigo. Pelo brilho de sua imaginação como romancista.

E por ele ter descrito como ninguém a Londres de seu tempo. Viajante compulsivo, Dickens escreveu a um amigo que não conseguia escrever direito longe da inspiração proporcionada pelas “luzes mágicas” das ruas londrinas.

Por isso li muitos romances seus e algumas biografias. (O iBooks dá acesso a um material extraordinário de e sobre Dickens, gratuitamente.)

Mas.

Mas me ficou a sensação de que Dickens deveria ter lido Demócrito, o filósofo grego da Antiguidade. Especificamente, uma sentença de Demócrito: “Ocupe-se de pouco para ser feliz.”

Dickens era claramente hiperativo, e o excesso de ação acabou por matá-lo cedo, aos 58 anos. Ele teve um derrame durante um jantar e morreu pouco depois.

Pouco tempo antes de morrer, ele escreveu para seu grande amigo John Forsters: “Não consigo sossegar senão com ação. Fiquei incapaz de relaxar. Estou convencido de que vou enferrujar, quebrar, morrer se eu me poupar. Melhor morrer fazendo coisas.”

Forsters posteriormente escreveria a primeira e melhor biografia de Dickens. Ao lê-la, uma amiga e admiradora de Dickens comentou: “Estou chocada com a agitação histérica dele. Deve ter sido terrivelmente difícil para sua mulher.”

(Foi. Eles acabaram se separando, depois de vinte anos de casamento. Dickens admitiu que a fazia “inquieta e infeliz, e muitas outras coisas.”)

Dickens não fazia nada comedidamente. Quando descobriu que poderia ganhar um bom dinheiro lendo para platéias que o adoravam, levou isso a extremos. Ensaiava horas para ler trechos de seus livros.

Tinha o trabalho adicional de mexer nos textos para adaptá-los à leitura pública. Interpretava ao ler, com seus dotes de ator. Terminava cada leitura aos pedaços. Tinha que deitar vinte, trinta minutos para se recompor.

Quando caminhava, coisa que adorava fazer, não era com moderação. Andava rápido, e percorria longas distâncias. Conheceu Londres e redondezas nos detalhes nestas supercaminhadas.

Em “David Copperfield”, seu livro favorito e francamente autobiográfico, Dickens diz pela boca do protagonista: “Em tudo que fiz, me entreguei por completo, não poupei nada.”

Os amigos perceberam, a certa altura, que ele estava extenuado, e o aconselharam a reduzir o ritmo. Mas ele continuou a acelerar. Faltou Demócrito em sua vida. Ao morrer em 1870, aos 58 anos, era mais do que admirado por seus leitores – era amado por eles.

Enterrado doída e solenemente no Poet’s Corner da Abadia de Westminster ao lado de outros gigantes das letras inglesas como Samuel Johnson e Thackeray, Dickens deixou o legado glorioso de sua obra magistral, mas também mostrou a todos que excesso de trabalho leva a apenas uma coisa: à morte mais cedo.

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Paulo Nogueira

Paulo Nogueira (1956-2017) é o pai de Pedro Nogueira, editor-chefe do El Hombre. "Ele foi meu herói", diz Pedro. "E continua sendo." Ao longo da carreira, dirigiu várias revistas da Abril e da Globo. Também escreveu artigos para o El Hombre que, frequentemente, reeditamos e republicamos no site.

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