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Como a história vai lembrar de Lance Armstrong?

Lance Armstrong saiu do armário numa entrevista para Oprah Winfrey. Num cenário espartano, o ex-ciclista de 41 anos acabou com anos de negativas e desmentidos e admitiu ter se dopado nos sete Tour de France que conquistou. “Eu vejo essa situação como uma grande mentira que eu repeti diversas vezes”, afirmou. “Eu tomei essas decisões, foram meus erros e eu estou aqui para pedir desculpas”.

Dez milhões de pessoas o viram declarar que, em resumo:  1) ele tomou drogas para melhorar sua performance em cada um dos campeonatos ; 2) O doping “faz parte do processo requerido para vencer o Tour”; 3) ele não achou que estava trapaceando; 4) ele não achava que seria pego; 5) seu câncer em meados dos anos 90 deu-lhe uma sensação de querer vencer a qualquer custo; 6) ele se propõe a cooperar com os inquéritos sobre doping no ciclismo.

Foi um golaço do canal OWN, de Oprah, que, antes do programa, enfrentava boatos de que ia fechar. Cotas de publicidade foram vendidas por valores 50% mais caros do que a média do canal. Oprah dividiu a conversa em duas. O time de relações públicas de Armstrong mirou na audiência e na vantagem de ter uma entrevistadora de perfil menos agressivo.

Armstrong é, provavelmente, o maior mitômano da história do esporte. Processou não só a USADA (US Anti-Doping Agency), que pedia seu banimento, mas todo e qualquer um que o acusasse – notadamente, a ex-assistente de sua equipe, Emma O’Reilly. Emma era soigneur: massagista, responsável por lavar as roupas dos atletas, reservar hotéis, preparar a comida. Ela servia também como “avião”, a gíria do tráfico para quem entrega as drogas. Em 2003, foi a fonte principal de um livro denunciando Armstrong, LA Confidentiel: Les Secrets de Lance Armstrong. Ele a processou. Depois de três anos, entraram num acordo. “Essa mulher foi uma oponente de Lance Armstrong e foi completamente demonizada”, diz um dos autores, David Marshall. “Agora, todo mundo quer saber dela. Mas onde estavam eles em 2004?”

Eles – a mídia – estavam mitificando Armstrong. Era uma grande história. Um campeão que superou o câncer nos testículos. Um benemerente que criou uma fundação para vítimas de câncer. Uma saga de superação. Um exemplo de saúde. E todo aquele blablabla. Sim, Armstrong enganou os jornalistas esportivos (alguns deles com larga experiência), mas eles queriam ser enganados. Ele os manipulou. Mas de maneira consentida.

(MAIS: As lições do caso Lance Armstrong)
(MAIS: Conheça Victoria Pendleton, a embaixadora do ciclismo)

Os maiores desabafos vieram de pessoas que ajudaram muito a construir essa imagem.

Rick Reilly, 54 anos, colunista da ESPN, contou ter recebido um email do atleta na quarta-feira. “Riles, me desculpe”, dizia o texto. Reilly ficou estupefato. “Duas palavras? Por 14 anos defendendo um homem? E, no final, ser visto como um otário?” Antes do mea culpa de Armstrong, Reilly escreveu, falou no rádio e na TV, tuitou: “O atleta que mais foi submetido a testes antidoping no mundo. Testado mais de 500 vezes. Nunca falhou um”. Por que Reilly fez isso? Porque Armstrong lhe disse que estava limpo. Ele continua: “Nós conversávamos (sobre doping) e sua voz ficava furiosa. E eu acreditava nele. E o tempo todo, o tempo todo, ele estava atuando. Acho que eu deveria perdoá-lo. Acho que eu deveria dar-lhe crédito por se assumir uma vergonha mundial. Acho que eu deveria agradecer-lhe por finalmente admitir que seu castelo magnífico foi construído sobre areia, seringas e bobos como eu. Mas eu não estou pronto para isso. Dê-me 14 anos, talvez. Você sente muito, Lance? Não, eu é que sinto”.

Buzz Bissinger, 58, escritor e cronista esportivo que hoje trabalha no site Daily Beast, também se martirizou. No caso de Bissinger, a coisa é um pouco mais dramática. Em agosto, quando Armstrong já estava frito, ele fez uma capa para a revista Newsweek: “Eu Ainda Acredito em Lance Armstrong”. Bissinger contou que, hoje, a capa lhe causa arrepios. “Eu o chamei de herói”,  disse. “Minha matéria sobre Lance Armstrong, minha profissão de fé, foi a pior coisa que eu jamais escrevi. Eu prestei um desserviço a mim mesmo. Mais importante, um desserviço aos leitores”.

Bissinger diz que não tem inveja do fato de Armstrong ter se aberto para Oprah e não para ele – e mostra, também, uma parte dos intestinos de uma negociação com uma celebridade. Quando pensou em escrever a reportagem para a Newsweek, ele diz, “eu lhe passei uma cantada, fazendo o jogo odioso de detonar seus detratores. Eu lhe enviei emails dizendo que nenhum jornalista o trataria melhor do que eu”.

Armstrong tinha os pés de barro. Mas a construção desse ídolo teve a mão de muita gente.

"Não achei que eu estava trapaceando"