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Ela é mais do que apenas um rostinho bonito

Lorde, a nova “heroína pura” da música pop

Lorde é uma menina de 17 anos da Nova Zelândia que estourou no mundo inteiro com a música Royals e com o álbum Pure Heroin. Tinha tudo para ter a despretensão pretensiosa da nossa ex-artista mirim Mallu Magalhães, mas optou por algo mais simples e melhor: fazer música, não de adolescente, não com voz de criança, não com instrumentos diferentes. Apenas boa música.

Lorde faz R&B. É, na verdade, um R&B muito mais próximo do Rhythm & Blues original do que é o dance-rap-massificado na última década, mas é próximo o suficiente do gênero contemporâneo para ficar na mesma prateleira da Rihanna. Tem todos os elementos em um ou outro momento. Apenas, em geral, é melhor e mais inteligente, embora venha de uma adolescente.

Musicalmente, é um tanto conceitual. Cada faixa que ouço me impressiona um pouco, mais ou menos da forma que Bjork me impressionou. Traz o mesmo tipo de frescor à música pop, embora com suas diferenças – mas também com semelhanças. O timbre e a forma de colocar a voz lembra Bjork nos momentos mais delicados. Talvez um pouco menos arrojada, mas ao tempo mais precisa que a diva islandesa. Erra menos, excede-se menos, e corre também menos risco de ser brilhante.

Os arranjos são super minimalistas. Não é raro ouvir bateria e voz, sozinhas, levarem as músicas. Ou uma base delicada de sintetizador levando sozinho a cozinha.

Lorde é, surpreendentemente pela idade, boa nas letras. Tem sabedoria e profundidade poética. Royals, o carro-chefe do álbum, é basicamente a negação da música pop contemporânea com uma pitadinha de confusão adolescente. “Toda música fala em dentes de ouro, vodka, drogas, vestidos de festa, carrões, champanhe (…) mas nós não nos importamos com isso”.

A boa Tennis Court também é um tratado sobre os estereótipos. “Amor, seja o palhaço da classe, eu serei a rainha da beleza – em lágrimas”. Ribs, a melhor música do disco, diz: “Este sonho não está gostoso; nós capengamos nas ruas da meia noite e eu nunca me senti tão sozinha; é assustador envelhecer”.

É bem diferente (ainda que não necessariamente melhor sempre) da música mainstream contemporânea.

Tecnicamente, o álbum é impecável. Uma ou outra opção que poderiam ser questionáveis, mas nada que não haja em álbuns dos Beatles ou de Michael Jackson. Explico: há, em muitos bons álbuns, coisas tecnicamente erradas em áudio. O fator artístico de uma obra pode ser explorado de forma ilimitada, mas o técnico, não – há limites físicos que começam na gama de freqüência que nós ouvimos. Nossos iPods e fones de ouvido também não reproduzem com grande precisão todas essas frequências, então um bom engenheiro de som, sob a tutela de um bom produtor, precisa fazer o melhor som possível sair a partir de todas essas limitações. E neste caso, é perfeito.

Este disco pode ser o primeiro de muitos grandes discos dessa menina. Traz ao mainstream e ao primeiro lugar da Billboard uma delicadeza e inteligência poética que haviam ficado sufocadas pelos rappers americanos, aqueles que são, no fim das contas, apenas a versão original do funk ostentação – caras que cantam sobre dinheiro e carros, e/ou divas que basicamente faziam a mesma coisa – quando não se associavam a eles nos “features”.

É obvio que nada do que eu disse quer dizer que Lorde será o novo Elvis Presley, que vai determinar os rumos da música no futuro ou qualquer coisa parecida. Há muito chão para se percorrer ainda. Muito, muito, muito. Quer dizer que ela pode ser. É como um campeonato de futebol. É só o primeiro jogo, mas o time já te deixa animado, porque ele pode ser campeão, ainda que possa não ser no correr do tempo.

Também nada disso quer dizer que os outros artistas do mainstream sejam ruins ou fracos. Rihanna, por exemplo, ganhou um Grammy com uma música que foi brilhante, poética, e um grande sucesso: Umbrella. Dizer “eu divido meu guarda-chuva com você” é uma forma bastante bonita de dizer “eu gosto de você”.

Gnals Barkley teve um grande momento. Lady Gaga, também. Até mesmo a Beyoncé e seu marido, Jay-Z, tiveram grandes êxitos, tão pops quanto bons. Mas quando o mercado começa a se emparelhar, isto é, ter muita coisa parecida, é bom que apareça alguém para refrescar as ideias. É nesse espaço que a Lorde apareceu.

Tenho para mim que o nome do álbum não remete à droga “heroína pura” como pode parecer, mas a uma heroína da música, artista pura, que faz música pop, mas com mais verdade do que a que tem sido usada nos últimos anos. “Nós jamais seremos da nobreza, esse tipo de sorte não é para nós”. É um trecho de Royals. Num mundo tão cheio de reis e rainhas, Elvis, MJ, Madonna, Beyoncé, Roberto Carlos e até o Thiaguinho (já viram que seu logo tem uma coroa?), alguém haveria de ser uma simples heroína da plebe. Um herói da classe operária, como disse John Lennon. E essa, em geral, é uma outra estirpe de artista.