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“Não acredito que o álbum está com os dias contados”

“Eu tenho um desejo enorme de estar sempre me renovando.” Já na largada da conversa, Arnaldo Antunes solta a frase que poderia muito bem definí-lo como artista.

Arnaldo deixou os Titãs em 1992. Desde então, já compartilhou o sucesso com Marisa Monte e Carlinhos Brown (lembra dos Tribalistas?), atuou como ensaísta na Folha de S.Paulo e virou VJ da MTV. De um estudante de letras na USP a um dos 100 maiores artistas da música brasileira, assim eleito pela revista Rolling Stone Brasil, um cara em constante transformação. “É algo da minha natureza”, diz ele em entrevista exclusiva ao El Hombre.

Em seu novo e 13º álbum, Arnaldo Antunes mais uma vez experimenta. Intitulada Disco, a bolacha não só consolida parcerias até então inéditas com nomes como Céu e Caetano Veloso como questiona o próprio formato que dá nome a ela – durante o processo de gravação, e os meses que antecederam o lançamento, Arnaldo disponibilizou diversas canções de graça em seu site oficial. Ao dialogar com a internet, embarcou em uma jornada por um imenso universo a ser explorado. “A gente vive num momento em que temos novas formas de ouvir, divulgar e consumir música”, avalia.

Disco ganha vida após um breve passeio pelo mundo infantil, guiado pelo Pequeno Cidadão, projeto que criou com o amigo e ex-guitarrista do Ira! Edgard Scandurra. Chega às prateleiras quatro anos depois de um álbum dedicado ao Iê – segundo Arnaldo, um trabalho que tentou abordar para os dias de hoje um gênero extinto. “É como você relembrar um universo musical sob uma ótica contemporânea.”

Mais uma vez, Arnaldo Antunes parece honrar a missão do artista: transformar para ser transformado. E, sorte nossa, nos convida para a viagem.

Tem artista que lança a vida inteira o mesmo álbum. Quer dizer, o disco pode ser novo, mas a música é mais do mesmo. Você, por outro lado, parece estar sempre em movimento. É essa a essência do Arnaldo Antunes?

É importante estar sempre se auto-renovando, não estar repetindo aquilo que você já fez. Eu tenho um desejo muito grande de experimentar coisas novas. Em Disco, por exemplo, há coisas que eu nunca tinha feito antes, como trabalhar a banda junto com um quarteto de cordas ou com sopros, compor com o Caetano, com o Felipe Cordeiro, com a Céu e outros novos parceiros, gente que eu nunca havia composto. Eu tento, a cada disco, experimentar coisas. Isso é algo da minha natureza, de lidar com essas diversidades. Que acho que não é só minha. Acho que a minha geração de músicos, se você pega o trabalho do Lenine, do Pedro Luis, do Carlinhos Brown, todos têm essa diversidade como algo natural.

Certa vez, em conversa com o Tom Verlaine (líder do lendário grupo Television), ele veio com essa: “O punk nunca existiu”. Ele defende que não existia cena alguma na Nova York dos anos 70, que era um punhado de artistas fazendo suas próprias coisas, mas que o lugar para essas pessoas se apresentarem era um só: o CBGB’s. Ou seja, a música sempre foi diversificada, multifacetada.

É um pouco parecido com o que aconteceu nos anos 80, quando as pessoas viam o rock nacional como um movimento. Só que o rock nacional existia desde muito antes. A única coisa que mudou é que aquele passou a ser um gênero tocado em rádio. Mas a diferença entre as bandas era enorme, nunca se constituiu um movimento. O que tinha era uma mídia voltada pra isso naquele momento.

Você já comentou por aí que a intenção de lançar Disco aos poucos foi lançar a reflexão sobre o que é um álbum nesses tempos de música virtual. Então, fica a pergunta: o que é um disco em tempos de música virtual?

A gente vive num momento em que temos novas formas de ouvir, divulgar e consumir música. A gente não tem a necessidade de ter um conjunto de canções para compor um disco, e lançar isso como um disco. Você pode lançar músicas avulsas. E eu comecei esse disco justamente mostrando na internet uma música por mês, desde junho. Foram quatro músicas antes do disco inteiro ser lançado. Então, por esse paradoxo mesmo, da liberdade que você tem de consumir e divulgar a música sem a necessidade de um formato disco, qual seria a necessidade de hoje você ter um álbum?

Você não acredita mais no formato? Acha que o álbum está com dias contados?

Eu acho que não. Acho que é uma forma a mais de consumir música. Eu ainda sou muito apegado ao disco como algo que marca a trajetória de um artista, marca a fase da obra dele naquele momento, a sonoridade que ele está buscando. Porque as faixas dialogam entre si, acabam criando um conceito. E mesmo o lado “ritual” que existe, de você por o disco na vitrola pra poder ouvir, ou no CD-Rom, ou no mp3 player. Aquela coisa de: “Você vai ouvir agora aquele álbum”. Acho que são modos de ouvir música que convivem, um não vai necessariamente substituir o outro. Tem horas que você quer ouvir as músicas em shuffle, tem horas que você quer ouvir um disco. Agora, nos dias de hoje, é fato: ele convive com o shuffle e com tudo isso.

Disco tem bossa nova, tem rock, tem soul music. Ele é quase um shuffle dentro de um álbum.

Ele tem essa diversidade grande, sim. Algumas faixas são mais serenas, outras mais pesadas, eu achei que tinha um lado interessante no sentido de ressaltar esses contrastes. Ao mesmo, tempo tem uma unidade ali justamente ressaltando essa diversidade. O que tem em comum é a maneira de eu interpretar, de compor. Acaba sendo uma marca de estilo. Mas é um disco muito diversificado, como se você estivesse ouvindo um shuffle mesmo. Uma hora vem um rock pesado, outra hora vem uma balada, depois uma bossa nova.

E essa coisa de ter um feedback à medida em que você vai criando um álbum? O fato de você ter liberado Disco aos poucos proporcionou uma das questões mais bacanas da internet: o diálogo.

O retorno que a gente tinha antigamente era pelos meios de comunicação, pela imprensa e tal. Hoje temos as próprias pessoas comentando, que é um pouco parecido com o contato que a gente tem nos shows, um contato mais direto com o público. Eu achei maravilhoso. Ao mesmo tempo em que a gente estava no processo de gravação, já poder ir mostrando o trabalho e tendo um retorno. Não norteou a feitura do disco porque o repertório já estava escolhido, mas, de alguma forma, foi algo que estimulou. Foi mais excitante fazer o disco já mostrando o resultado.

Como é a sua relação com a música no dia a dia?

Sou um ouvinte absolutamente eclético. Às vezes quero ouvir um Jimi Hendrix, outra hora quero ouvir Noel Rosa, Amália Rodrigues, Jeneci ou James Brown. Não acompanho muito o pop ou o rock internacional de hoje. Acabo ouvindo poucas coisas. Mas sou muito curioso com a música produzida no Brasil. O que esses artistas da nova geração estão produzindo, acompanho tudo: Cidadão Instigado, Leo Cavalcanti, a Tulipa Ruiz e a Karina Buhr, Jeneci e o Curumin, que tocam comigo… E eu acabo sendo instigado também pelo próprio contato com esses músicos.

Tem muita gente de outras gerações fazendo música com esse pessoal da chamada “nova música brasileira”. Seria a busca por um novo respiro na carreira?

Não tem esse planejamento. Os encontros vão acontecendo com muita naturalidade. Em grande parte, porque vários músicos dessa nova geração tocam comigo, na minha banda, ou acabam gravando comigo ou virando parceiros. O Grêmio Recreativo foi um articulador desse encontro de músicos de diferentes gerações. O projeto realmente serviu pra me aproximar de muita gente, não só das novas gerações mas das anteriores a minha também. Esse disco mesmo: tem uma parceria que junta a Céu, que é mais nova que eu, e o Hyldon, que é mais velho. São três gerações compondo uma música. Acho que quando há uma afinidade, os encontros e a música acabam acontecendo de maneira muito espontânea.

Em Disco, há uma canção (“Dizem”) que afirma que o todo mundo quer é paz. E você, quer o que?

Essa é uma música que está revelando esperanças e desesperanças, tudo ao mesmo tempo. Tem um pouco de desilusão ali também. Não é uma música que você possa classificar como cega para os tempos de hoje, pelo contrário. Por exemplo, quando teve a queda do muro de Berlim, no começo desse século, tinha esse pensamento otimista sobre o fim da Guerra Fria. “Novos tempos.” De repente, você vê que continua um monte de guerras pelo mundo, e aquilo dá uma insegurança brutal. É claro que eu quero um mundo melhor, mas essa é uma expectativa que muitas vezes não se mostra viável.

Você se considera um cara otimista?

Acho que sim. Eu acredito que o ser humano possa fazer um mundo melhor. Eu tenho fé.