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Por que o Cannes e o Oscar não deveriam ser comparados

Estamos na reta final do Festival de Cannes e muita gente já tenta apontar quais dos filmes presentes poderão estar na corrida para o Oscar do ano que vem. Ao mesmo tempo, outras pessoas reacendem a velha discussão: qual dos dois prêmios é melhor?

Não dá para simplesmente falar que um prioriza filmes de arte e outro prioriza entretenimento, como se existisse essa separação. O problema dessa discussão é que os dois prêmios são bem diferentes.

O Oscar é uma premiação, criada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para promover seus próprios filmes e foi realizada pela primeira vez em 1929. Já Cannes é um festival criado pelo Ministro francês da Educação e Belas-Artes devido à insatisfação com o dito fascismo do Festival de Veneza, e foi realizado pela primeira vez em 1946.

Como premiação, o foco do primeiro é eleger os melhores profissionais dos filmes já lançados comercialmente. O segundo, como festival, tem como objetivo, exibir e promover as produções que ainda serão lançadas. O equivalente francês ao Oscar é o César. Já o equivalente estadunidense a Cannes seria, talvez, o Festival Internacional de Nova Iorque. E isso resulta em diferenças práticas.

Mas tudo bem, tendo isso em mente, podemos ir às comparações.

Reconhecimento aos profissionais

Cannes premia basicamente diretores, roteiristas e atores principais. Já o Oscar entrega estatuetas a profissionais de 14 áreas diferentes do filme. Além disso, outras funções já foram premiadas antigamente e outras são propostas para entrar na lista, de vez em quando. Isso sem falar nos diversos prêmios especiais, como os honorários ou científicos. Logo, nesse quesito, os Academy Awards podem ser considerados mais justos e abrangentes.

Chance a filmes de menor destaque

Nos últimos 10 anos, o prêmio máximo do festival francês, a Palma de Ouro, foi para 7 países diferentes. Nesse mesmo período, apenas uma obra de fora do eixo Estados Unidos – Reino Unido foi eleita como Melhor Filme pelo Oscar: O Artista (The Artist).

Cannes também abre mais espaço para filmes independentes de forma geral, tendo mostras paralelas à competição principal (que conta com cerca de 20 filmes), incluindo um prêmio especial para o melhor cineasta estreante em longas. Portanto, se você não está em Hollywood, tem muito mais chances em Cannes do que em Los Angeles.

Influência direta sobre os filmes participantes

A cerimônia do Oscar tem uma das maiores audiências mundiais da televisão. Uma “simples” indicação pode multiplicar o cachê de um ator ou então dar mais alguns milhões de dólares em bilheteria para uma produção, principalmente se ela for mais modesta e só ganhar realmente os holofotes por meio da premiação. Não à toa, os estúdios investem milhões em campanha para o Oscar. Mas Cannes também pode ser fundamental na carreira dos artistas.

O desempenho ou a simples exibição de um filme pode apresentar um novo talento, não só para o público, como para produtores e, principalmente, distribuidores, que irão determinar quanto vale a pena investir na carreira da obra. Ainda assim, é inegável que o impacto de uma estatueta careca é bem maior, até porque existem outros festivais com força semelhante à de Cannes.

Programas paralelos

A Academia não é só o Oscar, e Cannes não é só a Palma de Ouro. A premiação do Oscar é a principal fonte de renda da Academia, que conta com diversos projetos sociais de preservação da história cinematográfica e de incentivo a novas tecnologias e novos talentos.

Já Cannes conta com diversos programas paralelos às mostras, visando promover a igualdade cultural no cinema, o encontro entre cineastas do mundo todo para troca de experiências, discussões sobre a indústria do cinema e uma janela única de mercado para que diretores, produtores e distribuidores possam mostrar seus trabalhos e descobrir uns aos outros. Neste quesito, é difícil dizer quem leva a melhor.

Justiça cinematográfica

Este é o aspecto mais complicado. Para começar, já seria difícil avaliar qual é mais justo ainda que os dois funcionassem da mesma forma. Mas, como não funcionam, são diversos pontos que devem ser levados em consideração.

Em primeiro lugar, nem o Oscar e nem o Cannes são abertos a todas as produções do mundo. Para ser elegível na premiação que acontece em Los Angeles, na maioria das categorias, o filme precisa ter sido exibido em uma sessão comercial paga por pelo menos sete dias consecutivos na cidade. Ou seja, um filme ultradesconhecido, por melhor que seja, não tem chance. E também não pode ter passado em outras mídias, como TV, DVD ou internet, antes de sua estreia.

Já o festival europeu exige que a produção não tenha sido distribuída fora do seu país de origem, nem selecionada para qualquer festival internacional, além de não ter passado na internet, também. Ou seja, se um produtor decidir por algum festival que julga ser mais interessante que Cannes – como Berlim, Veneza, Toronto, Sundance ou qualquer outro – e seu trabalho for selecionado, por melhor ou mais famoso que ele seja, não disputará uma Palma de Ouro.

Votação

Em praticamente qualquer festival do mundo, primeiro uma comissão seleciona, entre os filmes inscritos, aqueles que estarão no festival. Em Cannes, essa comissão ainda decide de que mostra a produção poderá participar. Se ela for para a Mostra Competitiva, aí sim estará disputando com mais 20 filmes os prêmios máximos. Quem escolhe o vencedor é um júri composto por um presidente e mais 8 jurados, atores e cineastas de diferentes lugares do mundo.

No Oscar, a Academia conta com quase 6 mil membros, divididos em diferentes ramos de atuação, que irão selecionar os indicados, cada um de seu ramo. Anunciados os participantes, todos poderão votar na maioria das categorias. Embora pareça algo bastante democrático, vale lembrar, por exemplo, que mais de 90% dos membros são brancos, mais de 70% são homens e mais da metade são pessoas acima dos 60 anos.

Uma vantagem do júri de Cannes é que os votantes debatem bastante entre si antes de chegarem a um consenso. E sim, há toda uma politicagem e uma campanha de marketing violenta por tás da eleição do Oscar. Ainda assim, talvez seu método soe mais justo.

Agora, vamos analisar as escolhas recentes.

Azul é a Cor Mais Quente (La vie d’Adèle – Chapitres 1 & 2) ganhou a Palma de Ouro ano passado. No Oscar, era inelegível a Melhor Filme Estrangeiro por ter perdido o prazo. Não foi lembrado em nenhuma outra categoria, embora estivesse constantemente citado como um dos melhores filmes do ano. Mas no próprio César, premiação francesa equivalente ao Oscar, ganhou apenas o prêmio de Melhor Atriz Promissora (para Adèle Exarchopoulos).

E alguém acha um absurdo 12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave) ter sido considerado o melhor filme do ano pela Academia? Nas duas edições anteriores os vencedores do Palma de Ouro foram Amour e A Árvore da Vida (The Tree of Life), ambos indicados ao Oscar tanto como Melhor Filme quanto como Melhor Diretor. Amour ainda ganhou Melhor Filme Estrangeiro, enquanto A Árvore da Vida perdeu o Oscar para O Artista, que fora selecionado para a Mostra Competitiva de Cannes.

Mas enfim, a qualidade da obra, por mais que tenha aspectos bastante objetivos, ainda é algo muito subjetivo.

Resumindo, toda essa discussão sobre qual dos dois é mais importante, mais justo ou até mais prestigiado, é irrelevante. São coisas completamente diferentes, que funcionam para a indústria do cinema de formas inteiramente distintas. E em vez de tentar criar uma briga entre aqueles que preferem Cannes e aqueles que preferem o Oscar, vamos comemorar que os dois existem e são essenciais para que obras tão belas e diferentes entre si cheguem até nós.