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Sustentei minha família apostando na sinuca, diz Rui Chapéu

Felipe Lex Head de Marketing

A genialidade se manifesta, em diferentes pessoas, das mais variadas formas.

No caso de Rui Chapéu, ela veio na capacidade de empurrar bolinhas, com precisão milimétrica, dentro das 6 caçapas que uma mesa de sinuca oferece.

Ele é o maior jogador de sinuca que já nasceu no Brasil.

“Até meus 50 anos, nunca alguém ganhou de mim sem handicap”, ele contou ao El Hombre durante uma conversa no Bahrem Snooker Bar, uma casa de sinuca na Pompeia, em São Paulo, onde aos 74 anos ele ainda impressiona as pessoas com sua habilidade fora-de-série.

Quando Rui fala em “handicap”, significa dar pontos de vantagem ao adversário, para equilibrar a partida. “Não tinha ninguém para mim neste Brasil inteiro”, ele conta.

UMA LENDA NASCE

Nascido em 1940 em Itabuna, uma cidade com 218 mil habitantes no interior da Bahia, ele estudou até o terceiro ano do primário e aprendeu a jogar bilhar aos 12 anos.

Nas décadas seguintes, afiou a habilidade enquanto exercia sua profissão de caminhoneiro.

Mas foi apenas aos 33 anos, quando decidiu se estabelecer em São Paulo para viver do jogo, que o mito nasceu.

Mais do que um hobbie lucrativo, aquilo tornou-se um trabalho para ele.

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Alan Kardec é um companheiro de jogo regular dele hoje

“Criei meus filhos apostando na sinuca”, diz. “Se é errado? Para mim não, eu tinha que sustentar a família.”

Rui conta que, às vezes, passava três dias seguidos jogando.

“Chegava a disputar umas 300 partidas na sessão, para terminar umas 10 na frente.”

Por que uma margem tão pequena de vitórias? Simples, ele precisava dar o tal do hadicap aos adversários, caso contrário ninguém se atrevia a entrar no pano contra ele.

“Nunca enganei ninguém”, Rui afirma orgulhoso. “Sempre que eu chegava em qualquer cidade ou bar para jogar, já aparecia de chapéu e falava quem eu era. Sem aquela história de esconder minha identidade.”

Dependendo do adversário, o hadicap chegava a até 50 pontos, uma enormidade para uma partida de sinuca brasileira.

TELEVISÃO E A FAMA NACIONAL

A fama nacional veio em 1984, quando começou a dar aulas de bilhar na Rede Bandeirantes.

O ápice de sua carreira chegaria logo depois, em 1986 e 87, ao derrotar o então campeão mundial Steve Davis em partidas de exibição.

Campeão brasileiro? Não, ele nunca foi.

Mas Rui explica a razão: “Os campeonatos não pagavam quase nada. Eu tinha uma família para sustentar, então ia atrás dos jogos apostados, mesmo.”

RUI X IGOR FIGUEIREDO

Também falamos com ele sobre uma história misteriosa: o confronto contra Igor Figueiredo, o jogador mais bem-sucedido da atualidade, entrevistado pelo El Hombre em 2012.

Igor disse a nós que, aos 15 anos, ganhou US$ 12 mil dólares dele numa partida. Mas Rui conta que as coisas não foram bem assim.

“A gente se enfrentou em 1997, quando eu já tinha parado completamente de jogar apostado”, diz. “Eu ganhei as 5 primeiras partidas, por US$ 1 mil cada. Mas aí acabou meu gás. Eu já tinha quase 60 anos e ele 20. O Igor virou e terminou a noite US$ 3 mil para frente. Mas não US$ 12 mil.”

Se ele foi desbancado? Rui não acredita nisso.

“Queria ver o Igor ganhar quando eu tinha 35 anos. Aquilo foi como colocar o Kaká para jogar contra o Pelé hoje, não dá.”

SUCESSOR

Mas há um homem que, segundo Rui, poderia ter ficado com a sua coroa: Miguel Bernardino da Costa Filho, treinado pelo próprio mito.

Ou, como ele é mais conhecido no circuito, simplesmente Miguelzinho.

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Miguelzinho, o seu pupilo, ganhando mais um título

“Foi o jogador mais forte e técnico que eu já conheci”, conta Rui. “Num certo momento, o Miguelzinho chegou a ganhar 11 títulos seguidos.”

O que atrapalhou o sua trajetória? O trabalho.

“Depois que ele abriu dois salões de sinuca em Franca, no interior de São Paulo, e passou a administrá-los, seu potencial caiu.”

A SINUCA NO BRASIL

A visão de Rui, sobre o “trabalho ter atrapalhado o potencial de Miguelzinho”, pode parecer esquisita num primeiro momento.

Mas imagine, agora, se Neymar tivesse que gerenciar uma loja, enquanto joga no Barcelona? Ou Gustavo Kuerten, respondendo e-mails corporativos durante Roland Garros? Ou Anderson Silva entrando no octógono prensando em planilhas de gastos?

Infelizmente a sinuca é um esporte que tem pouquíssimo apoio das empresas e do governo no Brasil, então seus talentos acabam precisando buscar outras atividades fora da mesa para sobreviver.

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Rui e nosso repórter Felipe Lex no Bahrem Snooker Bar

Um exemplo rápido de comparação?

Enquanto o Campeonato Brasileiro de Sinuca teve uma premiação total de R$ 12 mil em 2014, o UK Championship, que começa no final de novembro, distribuirá quase R$ 3 milhões.

O que só torna o feito de Rui, de sustentar sua família com o dinheiro do bilhar, ainda mais admirável.

E, números ou títulos à parte, o fato é que nunca existirá jogador de sinuca maior do que Rui Chapéu no Brasil, pois ele conquistou o desafio supremo da carreira de um atleta de qualquer modalidade, do futebol à Fórmula 1: transcender o seu esporte e tornar-se um mito nacional.