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Van Gogh

Van Gogh e as Tempestades da Vida: Encontrando a Beleza na Tristeza

A sorte não distribui a felicidade de maneira equânime — algumas vidas são mais marcadas pela tristeza do que outras. Pode ser fácil, e equivocado, romantizar o sofrimento. Temos uma longa história cultural de perpetuar o mito do ‘gênio torturado’, como é o exemplo de Van Gogh, cuja realidade é muito mais complexa.

O que significaria, então, voltar-nos para a tristeza não com indulgência ou autocomiseração, mas considerá-la não como uma malignidade da vida, mas parte de sua riqueza elementar?

É isso que Vincent Van Gogh (1853 – 1890) abordou em uma notável carta a seu irmão Theo, que é o tema do texto de hoje.

Uma “conversa” do pintor com a natureza

Apesar de sua pobreza contínua e de sua doença mental debilitante, Van Gogh conseguiu transformar suas numerosas adversidades em artes visionárias. Durante um período particularmente angustiante de luta, ele escreve a seu irmão em uma carta de Haia, redigida setembro de 1883:

Você escreve sobre sua caminhada até Ville-d’Avray naquele domingo. Naquele mesmo dia e mesma hora, eu também estava caminhando sozinho. Quero lhe contar algo sobre essa caminhada, pois acredito que os nossos pensamentos provavelmente se cruzaram em certo grau.

Van Gogh partiu nessa caminhada específica para limpar sua cabeça e seu coração após finalmente se separar de Sien,  — a prostituta alcoólatra pela qual ele se apaixonou um ano e meio antes, logo após se recuperar da desilusão amorosa que o ensinou a transformar o amor não correspondido em combustível para a arte.

Foi uma separação profundamente ambivalente — Van Gogh reconheceu que eles não poderiam se fazer felizes a longo prazo, mas ele estava profundamente apegado a Sien e seus filhos, assim como ela a ele.

Buscando acalmar sua mente, Van Gogh saiu “para conversar com a natureza por um tempo”. Deste estado interior tão turbulento, testemunhou uma tempestade violenta que, paradoxalmente, o reconciliou com a sua tristeza e o ajudou a redescobrir nela a beleza elementar da vida.

“A beleza elementar da vida”

Ele relata esse encontro transcendente com a natureza a seu irmão:

Você conhece a paisagem daquele lugar. Há árvores magníficas e cheias de majestade e serenidade ao lado de casas de verão verdes e terríveis, de caixas de brinquedos e de todos os absurdos que a imaginação dos holandeses ricos pode criar em termos de canteiros de flores, pérgulas, varandas. As casas são feias em sua maioria, mas algumas são antigas e elegantes. Bem, naquele momento, bem acima dos prados tão infinitos quanto o deserto, veio uma massa impulsionada de nuvem após a outra. O vento primeiro atingiu a fila de casas de campo com suas árvores do lado oposto do canal, onde a estrada de cinzas negras corre. Aquelas árvores eram magníficas. Havia drama em cada figura, sou tentado a dizer, mas quero dizer em casa árvore.

Então, o todo era quase mais fino do que aquelas árvores sopradas pelo vento vistas por si só. O momento era tal que até aquelas casas de verão absurdas assumiram um caráter singular, encharcadas de chuva e desgrenhadas. Nisso, vi uma imagem de como até uma pessoa de formas absurdas e convenções, ou outra cheia de excentricidade e capricho, pode se tornar uma figura dramática de caráter especial se for tomada por uma verdadeira tristeza, movida por uma calamidade. Isso me fez pensar por um momento a respeito da sociedade de hoje, como ela se afunda e muitas vezes aparece agora como uma grande silhueta sombria vista contra a luz da reforma.

Escrevendo meio século antes de Rilke contemplar como grandes tristezas nos aproximam de nós mesmos, Van Gogh acrescenta:

Sim, para mim, o drama de uma tempestade na natureza, o drama da tristeza na vida, é o melhor… Ah, deve haver um pouco de ar, um pouco de felicidade, principalmente para deixar a forma ser sentida, para fazer as linhas da silhueta falarem. Mas deixe o todo ser sombrio.

O texto original foi publicado no site The Marginalian.