InícioAtitudeVeja o que o Budismo Tem a Dizer Sobre a Raiva e Seu Lado Construtivo

Veja o que o Budismo Tem a Dizer Sobre a Raiva e Seu Lado Construtivo

“A raiva é a forma mais profunda de compaixão,” escreveu o poeta e filósofo David Whyte, ao reivindicar as dimensões ocultas das palavras cotidianas. “A sua chama interna sempre ilumina aquilo a que pertencemos, aquilo que desejamos proteger e aquilo pelo que estamos dispostos a nos arriscar.”

Quem já se inflamou de ira conhece essa estranha dissonância e sabe que é verdadeira em um nível primal. No entanto, continuamos a julgar — e especialmente a autojulgar — apenas um lado da raiva: sua face destrutiva, negligenciando a sua função construtiva paradoxal, porém profunda, como agente mobilizador de nossos valores.

Foi isso que o grande mestre Zen Seung Sahn Soen-sa (1927 – 2004) explorou em uma de suas cartas.

Em novembro de 1976, Soen-sa recebeu uma carta angustiada de uma de suas estudantes, Diana, consumida pela raiva contra o filho — “furiosa ao ponto de tentar agredi-lo”, escreveu ela. O surto foi precipitado por frustrações justificadas — o ambiente acadêmico pouco desafiador do menino, as más companhias, sua resistência em mudar para uma escola mais estimulante intelectualmente. Embora sua fúria viesse de um lugar amoroso, desejando melhorar a vida do filho, mergulhou Diana em intenso autojulgamento e choro inconsolável.

Além da dissonância angustiante entre a turbulência superficial de seu estado temporário e o profundo amor pelo filho, ela estava desorientada por outra coisa. Ela acabara de participar de três retiros de meditação silenciosa nas cinco semanas anteriores, e sentir algo tão “negativo” pouco depois disso era aterrador.

Diana buscou conselho e consolo em Soen-sa. Seis dias depois, ele respondeu com uma carta perspicaz, oferecendo uma taxonomia dos quatro tipos de raiva e iluminando o seu aspecto construtivo.

A resposta de Soen-sa foi a seguinte:

Após a meditação silenciosa, a sua mente estava clara. Uma mente clara é como um espelho, então, quando a raiva surgiu, você simplesmente refletiu uma ação raivosa. Você ama seu filho, por isso ficou enraivecida. Não examine a sua mente, não pense demais — quando estiver com raiva, sinta raiva. Quando estiver feliz, seja feliz. Quando triste, seja triste.

Sua raiva anterior e a raiva mencionada na carta são diferentes. Antes da meditação, era raiva apegada; já agora, apenas raiva refletida. Com mais treinamento, a raiva refletida mudará para raiva percebida. Com mais prática, a raiva percebida desaparecerá. Então, você terá apenas raiva amorosa — por dentro, sem raiva, apenas por fora. Então, raiva apegada, raiva refletida, raiva percebida, raiva amorosa — todas estão mudando, mudando, mudando. Raiva é raiva; raiva é verdade. Não se preocupe, não se autoanalise — já passou. Como manter-se no momento presente é mais importante.

As mudanças trazidas pela raiva

Acredito há muito tempo que a maioria das ações construtivas surge como uma forma de reclamação. Como um ímpeto de efetuar mudanças positivas oriundo da insatisfação com o estado das coisas, ou um desejo ativo de direcioná-las para uma versão mais satisfatória. Nesse sentido, Soen-sa vê a raiva como a insatisfação ao extremo, o que a torna um poderoso agente mobilizador para mudanças positivas — ou para o que o grande compositor John Cage, também estudante do Zen, chamou de anarquia construtiva.

Soen-sa exame os ritmos dos quatro tipos diferentes de raiva conforme estes se manifestam sucessivamente:

A raiva apegada às vezes dura três horas, às vezes três dias, e não retorna rapidamente ao amor. Quando você chorava, tinha raiva refletida; não durou muito. Logo você se lembrou que ama seu filho, e soube de imediato o que fazer para ajudá-lo… Com mais treino, sua raiva refletida mudará para raiva percebida. Você sentirá raiva, mas não a mostrará; será capaz de controlar sua mente. Finalmente, terá apenas raiva amorosa, raiva apenas por fora para ajudar os outros — “Você deve fazer isso!” — mas sem raiva por dentro. Isso é verdadeira mente de amor.

Ele finaliza com uma nota de segurança de que a decisão para a qual o choque da raiva de Diana a direcionou foi a correta:

Buda disse, “Se uma mente é pura, seu mundo será puro. Seu mundo significa sua família, seus amigos, seu país — todos eles. Então, mudar a escola do seu filho é uma ideia muito boa. Às vezes, quando a situação é ruim, tudo é ruim; quando a situação muda, então é possível mudar tudo.”

O texto original, de autoria de Maria Popova, encontra-se publicado aqui.

Camila Nogueira Nardelli
Camila Nogueira Nardelli
Leitora ávida, aficcionada por chai latte e por gatos, a socióloga Camila escreve sobre desenvolvimento pessoal aqui no El Hombre.