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Reflexões de um vegetariano sobre o hambúrguer de célula-tronco

Thiago Sievers Head de Parcerias

Mesmo o carnívoro mais disciplinado teve – nos últimos tempos, com as constantes exposições de vídeos na internet que revelam a cruel maneira com que os animais são abatidos – o coração sensibilizado à causa dos protetores dos bichinhos. Ainda que essas pessoas se mostrem frias e impassíveis diante de um debate, elas não escapam a leitura do meu aparelho de captação de onda psico-emocional que denuncia sua sensível realidade subjetiva. Acredito piamente que é uma questão de tempo para que a rotina da produção de carne deixe de ser o espetáculo brutal que é hoje. Ninguém foge ao julgamento da própria consciência, que aponta ser uma puta falta de sacanagem degustar uma costelinha de porco arrancada do animal aos gritos. Temos conhecimento de que atualmente diversas empresas procuram fazer com que os bichos sejam tratados com desvelo desde o nascimento até o abate. No entanto, para alguns isso já não é mais suficiente – o que interessa é alimentação sem mortes. Até segunda-feira esses caras teriam que se contentar com a dieta vegetariana. Mas agora a situação é diferente.

No começo da semana foi apresentado ao mundo o primeiro hambúrguer produzido sem derramamento de sangue. Tudo bem que o valor de mais de R$750 mil não é acessível ao bolso de qualquer um – o que faz com que os vegetais continuem sendo a única opção viável -, mas a ideia finalmente saiu do papel após anos de estudo e especulações.

O que faz o valor ser exorbitante para uma simples refeição é o processo que envolve a sua produção. Os cientistas recolheram células-tronco de músculos bovinos e as cultivaram em soro de bezerros para que pudessem se desenvolver e vir a ser células musculares maduras. Uma vez músculo, as unidades funcionais orgânicas sofreram diversos processos com o intuito de serem fortalecidas. Então foram separadas em grupos de 20 mil fibras que dariam origem a um hambúrguer de 140 gramas. Esse processo é bastante caro por envolver tecnologia avançada, mas Mark Post, o moço responsável pela ideia, está esperançoso de que o preço possa baixar para cerca de R$150 o quilo – daqui a 10 ou 20 anos. Mark, meu amigo, esse é o tempo que levará para a humanidade se livrar de qualquer tipo de carne, segundo meu computador profetista.

A verdade é que eles não estão nem aí para o vegetarianismo: o objetivo do projeto é criar uma alternativa sustentável à carne de vaca, já que, segundo a Organização Mundial de Saúde, a procura por carne irá duplicar até 2050. Considerando que 70% dos campos agrícolas do mundo são destinados à pecuária, essa é uma ideia inteligente. Outros dados também fazem com que o projeto brilhe aos olhos da consciência ecológica, se é que ela os tem. Um estudo realizado em Oxford há dois anos mostrou que com carnes de laboratório o efeito estufa causado pelos animais seria reduzido em 96%, a energia em 45% e precisaríamos usar apenas 4% da água e 1% das dos campos que utilizamos hoje para a criação dos bovinos. Uau, que números! Mas, sabe, existe outra alternativa: o vegetarianismo.

Com o surgimento da carne de células-tronco o ponto controverso da alimentação onívora não é mais o bem-estar animal, mas todo o dinheiro investido (que foi doado pelo co-fundador do Google Sergey Brin) e toda a inteligência disponibilizada pelos cientistas envolvidos no projeto sendo gastos em algo desnecessário, uma vez que a criação da carne de laboratório serve apenas para satisfazer o gosto alimentar das pessoas. Esses recursos poderiam ser aplicados em trabalhos mais úteis. Entretanto, mais uma vez nossos caprichos nos fazem estacionar onde já poderíamos caminhar.

Não tem que inventar: se nosso intento é ajudar o mundo sejamos mais práticos. Sergey, aplique esses milhares de reais em algo mais objetivo; Post, invista em algo como o Soylent, que parece ter potêncial muito mais útil (para todos, vale notar) do que a carne de laboratório. Você, onívoro, me responda: qual o benefício exclusivo de comer carne? A sessão de comentários é logo abaixo. Agora, se me derem licença, eu vou preparar minha cruz.