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Como era a rotina de Beethoven e como ela influenciou a sua notável produtividade

O seguinte texto, sobre a rotina e a produtividade de Beethoven, foi publicado originalmente no site The Marginalian é e da autoria de Maria Popova.

Nossa imaginação popular tende a retratar o trabalho criativo como produto da mente e do espírito desencarnado. No entanto, qualquer escritor que já tenha sentido um corte neuronal de suas próprias faculdades cognitivas devido à falta de sono, qualquer artista cujo pincel tenha tremido com as dores da fome voraz, qualquer músico cujas cordas tenham retumbado com a oxitocina de um beijo, sabe quão intimamente entrelaçadas estão nossas condições de seres vivos à nossa vitalidade criativa. O poeta Rilke capturou esta simbiose de forma bela: “Não sou daqueles que negligenciam o corpo para fazer dele uma oferenda sacrificial para a alma, já que minha alma realmente detestaria ser servida dessa maneira.”

Mas talvez nenhum artista personifique melhor essa interdependência do ser humano e do criativo do que Ludwig van Beethoven (16 de dezembro de 1770 – 26 de março de 1827), cujo excepcionalismo marginal foi a fonte tanto de sua tragédia quanto de seu gênio.

Em sua obra-prima de 1927, Vida de Beethoven, uma ode incomum e apaixonada à “alegria do sofrimento superado”, o dramaturgo, romancista, ensaísta e historiador da arte francês Romain Rolland descreve a força e vigor sobrehumanos de Beethoven, conforme exaltados pelos contemporâneos do compositor:

Ele era feito de matéria sólida e bem cementada; a mente de Beethoven tinha a força como sua base. A sua musculatura era poderosa, o corpo atlético; vemos o corpo baixo e robusto com seus ombros largos, o rosto avermelhado e moreno, bronzeado pelo sol e pelo vento, a juba negra e rígida, as sobrancelhas espessas, a barba que subia até os olhos, a testa ampla e elevada, o crânio “como abóbadas de um templo”, mandíbulas poderosas “capazes de triturar nozes”, o focinho e a voz de um leão. Todas as pessoas que o conheciam se surpreendiam com seu vigor físico. “Ele era a personificação da força”, disse o poeta Castelli. “Uma imagem de energia”, escreveu Seyfried. E assim ele permaneceu até seus últimos anos — até aquele tiro de pistola do sobrinho que o atingiu no coração. Reichardt e Benedict o descreveramm como um “ciclope”; já outros invocaram Hércules. Ele foi um dos frutos duros, nodosos e ásperos da era que produziu um Mirabeau, um Danton, um Napoleão.

Rolland delineia o regime de estilo de vida que detinha o segredo da extraordinária vitalidade de Beethoven:

Ele mantinha a força por meio de vigorosas abluções com água fria, um cuidado escrupuloso com a limpeza pessoal e caminhadas diárias imediatamente após a refeição do meio-dia, caminhadas que duravam toda a tarde e muitas vezes se estendiam noite adentro; depois, um sono tão profundo e longo que ele reclamava, ingrato, contra ele! Seu modo de viver era substancial, mas simples. Nada em excesso; ele não era glutão, nem bebedor (no mau sentido da palavra) como alguns erroneamente o descreveram. Como bom alemão, ele amava vinho, mas nunca abusou dele — exceto por um curto período, entre 1825 a 1826, quando passou por um dos momentos mais difíceis de sua vida. Ele preferia peixe a carne; o peixe era seu grande deleite. Mas sua alimentação era rústica e campestre: estômagos delicados não poderiam suportá-la.

Rolland conecta esses hábitos físicos com a constituição psicológica deste artista visionário, cujo trabalho inaugurou nada menos que uma revolução criativa:

Aquele que se libertou das amarras e das mordaças de um mundo velho e apodrecido libertou-se de seus mestres, de seus deuses, e deve mostrar-se digno de sua nova liberdade e capaz de suportá-la; caso contrário, que permaneça acorrentado! A principal condição para o homem livre é a força. Beethoven a exalta… Há algo nele do super-homem de Nietzsche, muito antes de Nietzsche.