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Toni Garrido fala sobre a turnê sustentável do Cidade Negra

Thiago Sievers Head de Parcerias

Fazia um tempo que eu não ouvia Cidade Negra. Então quando coloquei o álbum Sobre Todas as Forças para rodar e entrar no clima para a entrevista com Toni Garrido, memórias profundas foram ativadas. Toda a minha infância passou rapidamente em minha frente ao ouvir músicas como A Sombra da Maldade, Doutor e Pensamento. Mas a principal delas foi Onde Você Mora?, que realmente desencadeou uma onda de emoções. A banda é um marco nacional. Foi a responsável por popularizar o reggae no Brasil, ainda que posteriormente tenha passeado por outros gêneros musicais.

Hei, Afro!, o novo álbum do grupo, flerta novamente com as raízes trazidas por Da Gama, Ras Bernardo, Lazão e Bino Farias no início da banda em meados da década de 80 (os dois últimos ainda fazendo parte da formação atual). Apesar de Toni Garrido não fazer parte da formação original do Cidade Negra, entrando apenas em 1994, ele é a cara da banda e foi um verdadeiro baque para os fãs do grupo quando o cantor partiu para carreira solo em 2008. Contudo, ele voltou no final de 2010 com o bom humor de sempre: “Temos que saber rir da gente, aprender com o que passou”, disse com exclusividade ao El Hombre.

Agora o Cidade Negra se prepara para sair em turnê oficial do Hei, Afro!. O primeiro show é hoje (2), no Vivo Rio, na capital carioca. A turnê, além de apresentar o álbum que marca a nova fase da banda, traz a peculiaridade de ser sustentável. “Pouquíssimos ou quase nenhum artista brasileiro realiza ou realizou uma turnê assim”, nos contou Toni. O cantor também falou sobre os seus álbuns preferidos do Cidade Negra, as manifestações no Brasil e a Copa do Mundo dos artistas que disputou em junho. Confira na entrevista abaixo.

Toni, como está a preparação para a turnê que vai começar amanhã, que será uma turnê sustentável?

Cara, o mais importante da turnê é o lançamento do “Hei, Afro!”, isso precisa ficar claro. A questão sustentável é algo que adotamos em nossas vidas, mas o nosso trabalho não é sobre a sustentabilidade, e sim sobre o álbum. Mas estamos em um momento onde todos da banda estão engajados em proteger a natureza. A gente fazia shows e via no fim que sobrava um monte de garrafa, um monte de lixo e isso nos espantava. A gente via sérios problemas de resíduos que demoram anos para se decompor. O que nós queremos é uma turnê 100% sustentável, mas isso não depende só de nós. O que podemos fazer, faremos. No nosso camarim, por exemplo, só terá garrafa ecológica. Mas para isso acontecer também na área da galera depende da produção do evento. Queremos que os ônibus em que formos viajar funcione por biodiesel, mas as empresas têm que ter veículos assim. Eu me lembro que há uns 3 anos após um show em Portugal apareceram dois caras de terno no camarim e me chamaram para conversar. Eles me mostraram um aparelho com um gráfico que denunciava o quanto o nosso show tinha gerado de poluição. O que a gente gerava na apresentação ia se espalhando ao redor e destruía todo o meio ambiente. Isso me assustou. A gente já fez muito show com pirotecnia e essas coisas, mas hoje a gente quer fazer algo que nos dê prazer sem agredir a natureza.

E de onde surgiu essa ideia?

Isso não é de agora. Há uns cinco anos que eu me envolvo com esse assunto. Eu sou representante da ONG One Less Degree na América Latina. O projeto da ONG é pintar as coisas de branco, pois assim a temperatura do ambiente cai. O preto retém o calor e aumenta o aquecimento global. Foi provado que se um ambiente for pintado de branco a temperatura pode cair de 1 a 2 graus. Eu também participo do Salve o Planeta Azul e do Limpa Brasil. Então essa ideia não é de hoje. Nossa proposta não é sair divulgando a sustentabilidade, mas fazer as coisas de forma sustentável. É que nem se vocês aí na redação. Não é que vocês iriam colocar no site um fundo com mensagem sustentável e só, mas pensariam: “Ah, vamos comprar papel ecológico, vamos fazer seleta coletiva, pô, pega aquele lixo e joga ali” e passariam a viver de forma sustentável. Esse é o nosso projeto.

Então a ideia é mais fazer do que falar.

Sim, sempre. Mas nossa turnê vai se chamar sustentável também porque ela será sustentável. Pouquíssimos ou quase nenhum artista brasileiro realiza ou realizou uma turnê assim. Quem já fez isso aqui foi Gil com o Expresso 2222, que tinha um lugar em que o gerador funcionava com a energia das pessoas. Eu ia adorar conseguir fazer o gerador funcionar com a energia dançante da galera, mas a gente não vai conseguir fazer isso ainda. Mas a gente quer que quando o cara entre no show ganhe uma sacola biodegradável totalmente natural e reciclável para jogar seu lixo, que o copo não provenha de derrubadas de árvores e coisas assim.

Legal, Toni. E me fala um pouco sobre o novo álbum.

O “Hei, Afro!” trabalha em cima do conceito de diáspora. Todos nós viemos da África, continente mãe da humanidade e depois se disseminou pelo mundo. Então eu pergunto: o que as pessoas podem fazer para ajudar a África? Eu não estou falando somente para os negros, mas para todo mundo. Ele é uma continuação do Perto de Deus, o último álbum que gravamos antes de eu sair da banda em 2008. Os dois, musicalmente, são muito voltados para a Jamaica, assim como nós. O Brasil e a Jamaica são nossas mães musicalmente falando. Mas conceitualmente o álbum se remete à África e à nossa origem.

Sobre as músicas do CD, o que vocês querem dizer com as letras de forma geral? Na primeira faixa, por exemplo, você fala: “Voltei pra dizer que a coisa tá ruim”? Você acha que a coisa realmente está ruim?

Cara, não tá bom, mas tá indo. Ainda existem os políticos corruptos, as pessoas maldosas, tem rabino clandestino incitando o terror. Eu não tenho nada contra o judaísmo. Pelo contrário, eu respeito muito eles. Com certeza vai ter judeu me xingando por essa frase. Em todo lugar tem gente assim. Eu sou católico e também falo que os padres do Vaticano vivem condenando. Eles condenam tudo, cara, infelizmente hoje as religiões guiam as leis e o estado laico fica às gargalhadas, como diz a letra.

E o que você tem achado das manifestações no Brasil?

Graças a Deus que elas estão acontecendo. Eu acho importante isso, que o povo mostre que tem o poder, que tem a liderança. É claro que tem aqueles que vão para bagunçar. No meio dessa confusão tem rato e tem homem. Tem que saber separar. Mas isso não é de hoje, essas coisas a gente já falava lá no começo da banda há quase vinte anos.

Falando da banda, como foram esses 3 anos de hiato entre você e o Cidade Negra?

Cara, foi tranquilo. Durante esse tempo nós não nos víamos em lugar nenhum. Não nos encontrávamos no aeroporto, nem na casa de amigos, em lugar nenhum. Mas isso não foi por algum motivo específico. Só que ninguém pegava no telefone para ligar para o outro. Isso não aconteceu. Não teve briga, nada. Simplesmente foi assim que as coisas ocorreram. Mas eu sou integralmente grato ao Cidade Negra. Tudo o que um garoto podia sonhar eu tive na minha vida por conta da banda. Eu resolvi a minha vida, comprei minha casa, fiquei famoso, ouvi as pessoas cantando nossas músicas. Tudo o que eu tenho eu devo à banda, então eu não posso falar mal do Cidade Negra. Esse hiato foi um momento de muito aprendizado. Parece que em 3 anos a gente aprendeu o que normalmente aprenderia em 30.

E como aconteceu a volta?

O Lazão me ligou um dia e nós saímos para conversar em um bar. Ficamos uma hora e meia, duas horas só falando do Cidade, sobre o que a gente passou, as lembranças – só coisa boa. Então decidimos que iríamos voltar. Mas eu tinha uma agenda profissional para cumprir, os trabalhos como ator e outra coisas. Então eu zerei minha agenda e depois de 6 meses nós já estávamos ensaiando de novo.

Mesmo atuando como ator e apresentador você diria que o seu lugar é mesmo na música? Que essa é a arte mais importante em sua vida?

Não sei se a música é o mais importante. Antes de me tornar cantor eu era ator. Eu atuava num teatro e só depois eu vim cantar. Então mesmo hoje quando eu canto eu também atuo de certa forma. Essa formação é muito importante para mim.

E, se é que dá para escolher, qual o álbum mais importante do Cidade Negra para você?

Tecnicamente o que eu acho melhor é o Quanto Mais Curtido Melhor. Mas artisticamente eu prefiro o Sobre Todas as Forças. Esse foi o primeiro álbum que a gente fez após a minha entrada na banda, em 1994. Então ele tem muito significado, é o álbum que eu tenho mais apreço. Mas eu também gosto do Enquanto o Mundo Gira, porque ele é o mais libertário de todos. Nesse trabalho a gente ligou o foda-se e fez o álbum. A gente tava nem aí se os cara iriam falar que estávamos indo para o rock, saindo do reggae e tal – a gente queria fazer nosso som.

E o que falar do Hei, Afro! levando em consideração os trabalhos que o grupo já realizou?

O Hei, Afro! nos une de novo e nos reposiciona. Eu gosto muito, muito desse álbum. Mas eu ainda não convivi muito com ele, então não saberia dizer se é o mais importante de todos.

Mas você acha que ele tem o potencial de ser?

Ah, cara, ele é o primeiro álbum da nova era, do novo Cidade Negra, é o CD que inicia essa nova caminhada, essa nova fase da banda. Ele marca a nossa militância mental. Não é uma militância chata, é uma coisa pessoal. Eu gosto muito dele tecnicamente também, da forma que foi gravado, mixado e masterizado.

Mudando um pouco de assunto, Toni, você jogou a Copa do Mundo de futebol dos artistas agora em junho na Romênia, certo? Como foi essa experiência?

Cara, foi muito boa. Eu sempre quis participar desse evento, mas nunca consegui por conta dos compromissos com o Cidade Negra. Mas esse ano deu e foi uma experiência incrível. Realmente maravilhosa. O nível do futebol na Copa do Mundo dos artistas é muito grande. É difícil pra caramba. A gente passou três meses treinando antes de ir para a competição. Foram 50 artista disputando 22 lugares na equipe.

Nossa, teve até peneira?

Sim, teve. É um negócio sério mesmo. Os caras ficam tristes quando não passam. Mas a gente em todo jogo fazia uma oração e falava o nome daqueles que não foram. Mas o nível é alto, é semi-profissional. A gente foi com muita seriedade. Pô, estamos vestindo a camisa da Seleção Brasileira, cara. Os times eram muito fortes. O da Romênia, seleção com a qual disputamos a final do campeonato e ganhamos por 3×1, compete o ano inteiro, eles treinam constantemente. O clima era mesmo de disputa. O pessoal se concentra, não se intoxica com álcool e essas coisas. E no final a gente foi campeão. Disputamos 6 jogos, empatamos 1 e ganhamos o resto. Foi muito bom.

E você pretende competir de novo?

Com certeza, no ano que vem quero estar lá. Eu era o mais velho do grupo esse ano, então vou ter que me manter em forma para passar na peneira. Mas o evento todo é demais. Depois do campeonato teve um festival musical e a gente conseguiu arranjar para o Cidade tocar. A gente tocou e ficou em segundo lugar no prêmio de melhor música do festival com Girassol. No fim do show todo mundo saiu cantando a música. E eu ganhei o prêmio de melhor cantor também. Foi uma experiência realmente maravilhosa.

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