- Mauro Morandi viveu 32 anos em isolamento voluntário na ilha de Budelli.
- Ele fez de uma ilha no Mediterrâneo seu lar, cuidando da natureza local.
- Após décadas, teve de deixar o lugar por decisão das autoridades.
Viver décadas longe da vida urbana não é comum. O italiano Mauro Morandi se tornou conhecido exatamente por isso: desde 1989, após problemas com seu catamarã, ele chegou à ilha de Budelli, no arquipélago de La Maddalena, entre a Sardenha e a Córsega, e permaneceu como único morador por 32 anos.
A história ganhou destaque mundial por combinar escolhas pessoais, um território frágil e disputas de gestão. Em 25 de abril de 2021, depois de anos de avisos de despejo, Morandi comunicou no Facebook que deixaria a ilha no fim daquele mês.
Como ele chegou e por que ficou
Em 1989, o motor do catamarã de Morandi quebrou, e a embarcação foi levada até Budelli. Ele decidiu permanecer e passou a viver de forma simples e autônoma, sem remuneração, mantendo rotina de leitura, fotografia e trabalhos manuais com madeira de zimbro — peças que vendia a turistas e destinava a ONGs. A escolha foi individual, sem vínculo profissional, e sustentada pela busca por silêncio e contato direto com a natureza.
Ao longo das décadas, Morandi se tornou a única presença fixa na ilha. Durante o verão europeu, quando lanchas e escunas atracavam nas áreas permitidas, ele orientava visitantes sobre cuidados básicos e limites de acesso, reforçando que Budelli tem regras para minimizar impactos. No inverno, passava dias sem ver ninguém.
A praia rosa e as restrições de acesso
Budelli ficou especialmente famosa pela Spiaggia Rosa, cuja areia adquire tons rosados por conta de fragmentos microscópicos de corais e conchas moídos pelas ondas. Na década de 1990, o governo italiano classificou a área como de “alto valor natural” e fechou a praia, mantendo apenas faixas restritas para visitação controlada. A partir daí, o fluxo turístico caiu, e a ilha — que já recebera milhares de pessoas por dia — passou a ter um único morador.
O arquipélago integra o Parque Nacional de La Maddalena, que reúne sete ilhas e diversas baías de alto interesse ambiental. Esse enquadramento legal explica a rigidez nas regras de acesso, ancoragem e circulação de pessoas em Budelli, desenhadas para reduzir erosão e coleta indevida de areia.
Disputa jurídica e partida anunciada
A situação fundiária da ilha foi alvo de controvérsia até 2016, quando, após processo judicial de três anos entre um empresário da Nova Zelândia e o Estado italiano, a Justiça definiu Budelli como área pertencente ao Parque Nacional de La Maddalena. Naquele mesmo ano, a administração do parque contestou o direito de Morandi residir permanentemente na ilha. Uma petição online reuniu mais de 18 mil assinaturas contra o despejo, o que postergou a saída por algum tempo.
A pressão oficial, porém, não amoleceu. Em 25 de abril de 2021, Morandi informou publicamente que deixaria Budelli ao fim do mês, encerrando 32 anos de residência contínua. Ele não exercia cargo remunerado; vivia por conta própria e dizia que seu papel era explicar aos visitantes por que o ecossistema precisava ser protegido, não executar tarefas técnicas de manejo.
O que fica após três décadas
A trajetória de Mauro Morandi sintetiza um conflito recorrente em áreas protegidas: a tensão entre histórias individuais e regras de conservação. Em Budelli, venceram as normas do parque e o entendimento de que não deve haver moradia permanente na ilha. O episódio também consolidou a imagem pública do local como patrimônio ambiental sensível, com acesso limitado e atenção constante às regras de visitação.