Desenvolvimento Pessoal

Afinal das contas, é preciso perdoar? Confira a opinião de uma especialista no assunto

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Muito se fala sobre perdoar, e – por mais curioso que pareça – muito se estuda sobre o assunto.

Isso mesmo: há pessoas que dedicam suas vidas acadêmicas a estudar o perdão e as questões que geralmente o acompanham, como “Perdoar faz com que nos sintamos melhor?”, “Como perdoar alguém que não se arrepende do mal que nos fez?”, e assim por diante.

Uma dessas pessoas é a psicoterapeuta e escritora americana Harriet Lerner, que dedicou um de seus livros exclusivamente a esse assunto. O best-seller Why Won’t You Apologize, publicado no ano de 2017, reúne as principais informações que coletou ao longo dos 20 anos nos quais dedicou-se ao estudo do perdão.

Embora a leitura inteira seja interessante, houve um capítulo que, para mim, destacou-se dos demais. Trata-se daquele que busca responder à seguinte pergunta: é preciso perdoar?

Ao contrário de outros especialistas no assunto, Lerner defende a seguinte posição: perdoar, apesar de ter os seus méritos, não é necessário para o nosso bem-estar pessoal.

E mais: não precisamos perdoar totalmente, mas podemos perdoar em porcentagens.

Essas ideias são estranhas para você? Talvez sim, assim como o foram para mim no começo dessa leitura.

Mas, antes de tirar uma conclusão a respeito do assunto, que tal explorar conosco de maneira mais aprofundada as peculiaridades do perdão e a complexidade desconcertante mas também encantadora da natureza humana?

O QUE É “PERDOAR” E O QUE É “DEIXAR PARA TRÁS”

A primeira coisa que Lerner aponta é que, em seu consultório, percebeu que os homens e as mulheres com frequência usam a palavra perdão de uma maneira equivocada.

O dicionário Michaelis apresenta a seguinte definição para o ato de perdoar:

Absolver pena, dívida, ofensa, etc.

Com algumas exceções, não era isso que a maioria das pessoas estava buscando. Na verdade, estavam falando sobre o seu desejo de libertar-se da raiva, da amargura e do rancor. Queriam sentir-se bem, e não pensar em si mesmas como indivíduos ressentidos e vingativos.

“Eu quero perdoar” traduz-se com frequência como: “Eu quero superar o que aconteceu ou ao menos encontrar paz de espírito”.

Mas, para Lerner, isso não é perdoar. Isto é, não é absolver. É apenas deixar para trás, superar.

Ela ilustra a questão com um conto budista. Ei-lo:

Na época de Xaqiamuni Buda, todos os monges e monjas faziam o voto da castidade e do celibato. Por isso, era proibido que tocassem pessoas do sexo oposto.

Pois estavam dois monges para atravessar um rio de forte correnteza quando encontraram na margem uma jovem que pedia auxílio.

O primeiro monge se recusou, dizendo que não poderia tocá-la, e atravessou o rio sozinho. O segundo monge se apiedou e deixou que ela se apoiasse em seu braço. Assim que chegaram até a outra margem, ela os deixou sem uma só palavra de gratidão.

Os dois monges continuaram caminhando lado a lado. O primeiro, de cara fechada, sequer fitava o companheiro. Até que, finalmente, este perguntou:

“Por que está tão irritado?”

“Por quê? Porque você tocou uma mulher e quebrou os votos monásticos, e ela sequer o agradeceu”.

“Sim”, disse o outro, “mas eu a larguei logo em seguida, ao passo que você continua a carregá-la”.

Superar, como fez o monge da história, não se iguala a perdoar, a esquecer ou a “passar um pano” para as atitudes da mulher.

“Eu duvido que a palavra perdão tenha entrado na mente do monge”, diz Lerner, e acrescenta: “Ele simplesmente não levou a indelicadeza da mulher para o lado pessoal, nem ficou ruminando sobre o acontecimento. Tampouco desejou que ela morresse, ou mudasse”.

Sob uma perspectiva budista, isso significa somente deixar as coisas para trás. E, para atingir esse estado, você não precisa perdoar uma ação, inação ou pessoa em específico.

OS BENEFÍCIOS DE “DEIXAR PARA TRÁS”

Deixar para trás significa proteger a nós mesmos dos efeitos corrosivos de pensar sem parar em um determinado assunto, conscientes de que a amargura e a raiva crônicas dissipam tanto a nossa energia quanto a nossa criatividade e o nosso bem-estar, as coisas mais preciosas em nossas vidas.

A raiva saudável, que é sempre temporária, preserva a nossa dignidade e integridade. Dizem, e estão certos, que a raiva é uma emoção saudável quando mantida dentro de certos limites.

Ultrapassados tais limites, temos a raiva não-produtiva. Ela nos mantém presos ao passado e nos torna incapazes de viver o presente com plenitude e de nos movimentarmos em direção ao futuro com otimismo e alegria.

Essa, segundo Lerner, é a raiva “que nos acorda às três da manhã para pensar em eventos do nosso passado nos quais fomos prejudicados e a fantasiar imagens de vingança”.

Obviamente, a única coisa para qual ela serve é para nos fazer infelizes.

A boa notícia? Quer tenhamos experimentado uma mágoa terrível ou algo menor, não temos que perdoar o ofensor a fim de encontrar paz de espírito.

Ou, como colocaria a psicoterapeuta: “Deixar para trás não é algo fácil, mas é algo factível – e o perdão não precisa fazer parte desse processo”.

POR QUE NÃO É PRECISO PERDOAR?

Eis a resposta para a pergunta que dá nome a esse texto: não, não precisamos perdoar.

E por quê?

Segundo Lerner, a resposta é muito simples: para ser perdoada, uma pessoa precisa fazer sua parte. Ela precisa, pelo menos, reconhecer os seus erros. Ou, se se tratar de alguém orgulhoso demais, mudar seu comportamento, mesmo que isso não envolva um pedido de desculpas.

Citando a também psicoterapeuta Janis Abrahms Spring, diz: “Você não restaura sua própria humanidade ao perdoar alguém que jamais se desculpou; essa pessoa restaura a humanidade dela quando procura ganhar o seu perdão”.

Podemos, evidentemente, sentir compreensão e empatia por uma pessoa, mas não é preciso que a perdoemos para seguir em frente.

A experiência de vida nos ensina a ver com olhos mais compreensivos as pessoas que fazem coisas ruins, e a não reduzi-las aos seus atos mais negativos ou aos seus momentos de maior insensibilidade, mas quando as pessoas falam sobre o perdão em uma linguagem binária (“Ou você perdoa o ofensor, ou vira um prisioneiro de sua ira e de seu ódio”) ou religiosa (“Você está seguindo os passos do Criador ao oferecer a outra face”), está reduzindo um emaranhado de emoções humanas altamente complexas a uma equação dicotômica e simplista.

PODE-SE PERDOAR “EM PARTES”?

Uma das coisas mais interessantes apresentadas por Lerner é a ideia de que, quando a nossa intenção é manter uma pessoa que nos causou grave mágoa em nossas vidas, perdoar é algo necessário.

Mas precisa-se perdoar inteiramente?

Não, porque o perdão não é algo que envolva o “tudo ou nada”. A verdade é que você pode perdoar a pessoa 95% ou 33%, o quanto quiser e conseguir. Essa ideia é muito simples, mas nos causa surpresa e alívio.

Um exemplo oferecido por ela é o de um casal.

Eles tinham um relacionamento longo e produtivo, com dois lindos filhos de sete e dez anos, até o momento em que houve uma infidelidade por parte do marido. Na terapia de casal, os dois procuraram resolver as diferenças e superar o acontecimento.

Muito tempo depois, quando o assunto de infidelidade não era sequer mencionado entre os dois, o marido perguntou à esposa se ela o tinha perdoado. Ela ficou em silêncio por alguns minutos, sem saber o que responder. Então, lembrou-se de algo que aprendera ao longo do processo terapêutico: que o perdão pode ser dado em porcentagens, e que ela não precisava perdoar o marido totalmente para continuar no casamento nem para sentir amor, compaixão e carinho por ele.

“Noventa por cento”, anunciou. “Eu o perdoo pela traição, totalmente. Mas eu nunca poderei perdoá-lo por ter dormido com ela na nossa cama nas vezes que viajei para visitar a mamãe”.

Ela o perdoou 90%, e isso foi o bastante para seguirem em frente. Em certos sentidos, o seu casamento até se fortalecera e era melhor do que antes. “Talvez, com o tempo a porcentagem fosse diminuir”, diz Lerner. “Ou talvez não. De qualquer modo, era importante para ela saber que não era obrigada a perdoar tudo”.

O essencial é compreender que você não precisa perdoar alguém que lhe causou mal para se libertar da dor das emoções negativas. Você pode compreender o ofensor, amá-lo e preservar o seu relacionamento com ele, sem no entanto perdoar uma ação (ou inação) em particular.

Ou, também, o contrário pode acontecer: você pode optar por perdoar, mas isso não precisa significar que manterá o ofensor em sua vida e que haja uma reconciliação em si. Há diversas coisas que nem mesmo o melhor pedido de desculpas pode realizar.

O exemplo que ela oferece é o de uma jovem, JoAnn, cuja melhor amiga de anos arruinou a sua relação com os seus colegas de trabalho com fofocas e intrigas. Ao fim de anos, a amiga voltou para se desculpar e buscar reconciliação. JoAnn respondeu com o seguinte e-mail:

Querida Marsha,

Agradeço pelo pedido de desculpas. Fico feliz que tenha refletido tanto sobre tudo o que aconteceu, e sobre o modo como o seu comportamento me afetou na época. Dados os eventos do passado, é impraticável que continuemos a nos falar ou que reatemos a nossa amizade, mas desejo o melhor para você e afirmo que também tenho muitas boas lembranças de nossos tempos juntas.

Com carinho, JoAnn.

O QUE NOS IMPEDE DE SEGUIR EM FRENTE?

Todos queremos sofrer menos, e no entanto podemos nos trancar sem perceber em padrões de pensamento que nos bloqueiam de encontrar uma resolução concreta e promover o nosso bem-estar.

Seguir em frente é, também, sair da zona de conforto.

E o que, nesse caso, seria essa zona de conforto? Bem, quando não houve demonstração de arrependimento, pedido de desculpas ou tentativa de reparar o problema, é comum que uma pessoa que foi prejudicada pense:

“Eu só preciso entender o porquê de ele ter feito isso comigo. Então eu poderia superar.”

“O que estava se passando pela cabeça dela? Como pode viver consigo mesma? Será que ela pensa no assunto? Será que sente remorso?”

E assim por diante.

Relutamos em deixar a nossa raiva e os nossos pensamentos negativos para trás, diz Lerner, principalmente por três motivos:

  • Porque o nosso sofrimento é a nossa maneira pessoal de nos “vingarmos”, e mostrar à outra pessoa e ao mundo o quão profundamente o seu comportamento nos feriu.
  • Porque a raiva que nos permitimos sentir contra um determinado indivíduo protege um relacionamento diferente e mais importante para nós. (Esse é o caso por exemplo de uma sogra que odeia a nora por ser grosseira, mas não responsabiliza o filho pela permissão desse tipo de comportamento por parte da esposa).
  • Porque manter um diálogo interno raivoso mantém viva a fantasia de obter justiça – nós esperamos que aquele que nos feriu tenha um momento de Eureka!, e que enfim compreenda o mal que fez.
  • Porque a raiva nos mantém conectados à pessoa que nos feriu.

Destes, o último costuma ser o mais comum. Você já guardou raiva por muito tempo depois do fim de um relacionamento? Bem, isso é porque a raiva é uma forma de profundo – ainda que negativo – apego, assim como o amor. A desconexão ocorre com a indiferença, ao passo que a raiva nos mantém próximos da pessoa a quem odiamos. Se, mesmo muitos anos depois de uma separação, você mantém um ódio constante de um ex-parceiro, é porque permanece, em certo sentido, apegado.

COMO “DEIXAR PARA TRÁS”

É impraticável falarmos tão longamente sobre esse assunto, sem no entanto darmos soluções práticas para o problema: como, afinal das contas, deixar algo para trás?

A resposta é relativamente simples, mas o caminho é longo e haverá percalços. Por favor, se certifique de que sabe que haverá percalços, erros e momentos de desespero nessa jornada – mas, a cada passo que você dá rumo à linha de chegada, maior o seu mérito.

Abordemos, de maneira sucinta, três passos essenciais para a recuperação:

  • Ampliar o leque de sua compreensão sobre relacionamentos humanos, sobre pessoas e sobre o seu grau de responsabilidade no assunto.

Certamente, você já ouviu muitos amigos ou amigas se vangloriarem porque “arrumaram um novo parceiro antes de seus ex-namorados ou namoradas”. As pessoas gostam de seguir em frente antes, de (aparentemente) superar antes, de mostrar que “não ligaram tanto assim”.

E, se são deixadas para trás, sentem-se imensamente frustradas.

Antes de mais nada, portanto, busque compreender que relacionamentos não são – e, acima de qualquer outra coisa, não devem ser – competições nas quais aquele que sai primeiro, ou que fica com a maioria dos bens, é o vencedor.

Compreenda também que as pessoas possuem limitações, e que muitas vezes os erros que as mesmas cometem com você dizem mais a respeito delas do que de você especificamente. Os sentimentos e temores particulares de uma pessoa podem levá-la a cometer atos terríveis. E, a você, cabe não se responsabilizar por esses atos nem levar as coisas para o lado pessoal.

  • Dedicar-se a hobbies que lhe façam bem e aumentem o seu bem-estar.

Em um dos momentos mais difíceis da minha vida, voltei-me para uma modalidade de dança em específico e ela foi essencial para superar o luto que me tomara pela perda prematura do meu pai. Posteriormente, a prática da ikebana, arte japonesa de arranjos de flores, me auxiliou imensamente também.

Mas essa sou eu. Existem diversas maneiras de encontrar hobbies ou ocupações que aumentem a nossa sensação de bem-estar e nos façam felizes. Algumas envolve práticas espirituais, tais como a meditação, e outras dizem respeito à criatividade, como a escrita criativa e artesanato. O exercício físico, como a dança, o pilates e a yoga, são extremamente úteis.

E, é claro, lembre-se que pode contar com a terapia e com as medicações (sempre com acompanhamento médico) quando tal for preciso, sem que por isso seja uma pessoa fraca.

  • Abandonar a esperança de um passado diferente, tal como a esperança de um futuro fantasioso.

Esse, talvez, seja o ponto mais importante.

Com frequência, quando algo de ruim acontece em nossa interação com determinada pessoa, começamos a fantasiar sobre o que poderia ter ocorrido de diferente no passado. Isso ocorre de diferentes maneiras: podemos ficar imaginando o que teria acontecido se tivéssemos sido melhores, ou então desejando que pudéssemos voltar ao passado apenas para magoar aquela pessoa antes de sermos por ela magoadas, ou ao menos para cortar relações antes que todos os problemas ocorressem.

Em contrapartida, também há os momentos nos quais fantasiamos sobre um futuro que seja mais semelhante ao nosso ideal: sonhamos que a pessoa reconheça suas faltas e nos peça que a perdoemos, ou sonhamos esfregar na cara dela a felicidade, o sucesso e a prosperidade que aspiramos encontrar.

Mas, para sermos capazes de deixar para trás, o passo mais importante é abandonar os sonhos sobre um passado ou futuro diferentes e nos atermos no que temos nesse momento.

Em suma, existem caminhos disponíveis e estratégias concretas que nos ajudam a superar os nossos problemas do passado e a viver com maior plenitude o momento presente. Mudar as coisas que ocorreram não é possível, e tampouco moldar um futuro no qual tenhamos algum sentido de “justiça”. O que precisamos é de uma vida mais presente, na qual nós não seremos restritos pela ira e pelo ressentimento prolongados que envenenam qualquer existência.

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Camila Nogueira Nardelli

Leitora ávida, aficcionada por chai latte e por gatos, a socióloga Camila escreve sobre desenvolvimento pessoal aqui no El Hombre.

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