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Sean Connery: “Eu odiava Bond, mas acabei fazendo as pazes com ele”

Essa entrevista foi realizada em 2012 por nosso colaborador Harold Von Kursk, mas com a estreia de “Spectre” hoje no Brasil, achamos interessante atualizá-la e republicá-la.

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Mais de 50 anos depois de Sean Connery capturar a imaginação do público como James Bond em Dr. No, o culto de Bond continua a prosperar. Hoje, o legado é da responsabilidade de Daniel Craig, que retorna pela quarta — e talvez última — vez como 007 em Spectre, co-estrelado por Christoph Waltz como o vilão Ernst Stavro Blofeld.

Embora esteja mais para um Jason Bourne brutal do que o suave assassino inventado por Ian Fleming, Craig conseguiu criar um agente do MI6 formidavelmente distinto dos de seus antecessores.

Connery definiu um padrão alto para 007, um mestre da sedução que apreciava sua licença para matar tanto quanto o desfile interminável de Bond Girls. Connery surgiu como um símbolo sexual imponente.

Por um tempo, porém, Bond esteve em perigo depois de Connery ser substituído pelo modelo australiano e vendedor de carros usados George Lazenby. Ele durou apenas um filme, A Serviço Secreto de Sua Majestade, após colidir com o produtor Cubby Broccoli.

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Coube a Roger Moore resgatar Bond, acrescentando uma elegância bem humorada em perfeita sintonia com vilões cada vez mais ultrajantes e engenhocas bizarras que mudaram o tom da franquia. Quando o interregno Moore terminou, Timothy Dalton entrou em cena por dois filmes, até Pierce Brosnan assumir.

Daniel Craig levou James Bond a um novo nível. Sua habilidade como ator lhe permitiu adicionar algumas camadas interessantes para um personagem que tem agora meio século de idade.

Enquanto James Bond era um ricaço formado em Oxford, que parecia perfeitamente confortável dirigindo seu Aston Martin, vestindo ternos de Saville Row e bebendo vodka martinis “batidas, não mexidas”, Sean Connery era um escocês que preferia a cerveja, nascido numa família da classe trabalhadora de Edimburgo.

Por anos, Connery sentiu-se aprisionado por uma imagem que impediu muitos cineastas de trabalharem com ele, por temer que o público não tiraria da mente o agente fictício de Ian Fleming. É claro que, com O homem que queria ser reiOs intocáveis (pelo qual ganhou um Oscar) e A casa da Rússia, Connery tornou-se muito mais do que Bond. Nesse entrevista, ele explicou sua odisseia.

Como é a sensação de ter sido o ator que transformou James Bond em um ícone cultural?

Eu odiava Bond. Fiquei terrivelmente deprimido por anos, pensando em como Bond havia tomado minha vida. Digo, não é que eu não gostasse do dinheiro que ganhei ou de toda a atenção que eu estava recebendo, eu só me sentia frustrado por ser identificado constantemente com esse personagem – o que, se você é um ator sério, é tipo a morte. Eu me senti preso. Mas era tudo o que o público queria me ver fazendo, e passei anos tentando convencer os cineastas de que eu poderia quebrar a imagem de Bond.

Pensei que havia matado minha carreira ao ter passado muito tempo com um mesmo personagem – durante os anos 70, nenhum de meus amigos ousava tocar nesse assunto, porque eu estava realmente amargurado. Mas então fui capaz de reverter esse processo atuando nos papéis que pensei que iria atuar com trinta ou quarenta e poucos anos. Afinal das contas, fiz as pazes com Bond. Ele é tipo um velho camarada que se parecia comigo.

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Qual tipo de características pessoais você acha que “trouxe” para Bond?

Você tem de ser você mesmo nesse mundo. Se você não é, então não quero conhecê-lo. Eu não sacaneio as pessoas e não faço intriga sobre elas pelas costas. Chame isso de minha natureza escocesa ou do que preferir, mas eu mantenho minha palavra, o que é uma comodidade bastante traiçoeira na indústria cinematográfica.

É por isso que processei quase todos os grandes estúdios de Hollywood, exceto Paramount. Acho que, se você me traiu, se você roubou o dinheiro que eu deveria ter ganho de acordo com nosso contrato, então você merece ser preso. É bem simples… Eu prefiro acreditar na integridade dos outros homens.

É aí que eu penso na vantagem que as mulheres levam sobre os homens – elas são bem mais leais aos próprios sentimentos e tem maior consideração pelos outros. O homem é uma espécie mais implacável.

Como é que dois produtores americanos, Cubby Broccoli e Harry Saltzman, decidiram oferecer para você o papel de James Bond?

Eles me procuraram após perceberem que não tinham dinheiro o suficiente para contratar uma celebridade como David Niven ou Richard Burton para interpretar Bond. Eles tinham apenas um orçamento de umas 500.000 libras, e eu ganharia 6.000 libras.

Eles queriam que eu fizesse uma audição e alguns testes, porque Ian Fleming (o autor dos livros) tinha o direito de recusar o homem que eles escolhessem como Bond. Mas eu recusei porque detestava a ideia de fazer qualquer teste. Eu lhes disse que havia trabalhado por cinco anos no teatro e que havia feito vários filmes, e que essas eram minhas qualificações, gostassem ou não. Então eles pediram que eu conhecesse Ian Fleming. Nós nos damos bem e o papel foi meu.

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Como era Ian Fleming?

Ele era meio esnobe, mas cheio de energia e de entusiasmo. Tinha vivido uma vida bem interessante e passado por várias situações exóticas. Muitas das situações pelas quais Bond passou foram baseadas em suas próprias experiências.

É claro que ele exagerou, mas tinha um conhecimento incrível das últimas tecnologias e das técnicas de espionagem, que o ajudaram a dar uma base concreta para Bond. Bond era uma composição dele mesmo e de um amigo com quem estudou em Eton.

Bond foi escrito originalmente como um ricaço inglês que falava com um acento britânico bem aristocrático. Eu não tinha nada a ver com isso, mas Fleming gostou bastante de mim e pensou que eu poderia adicionar algum tempero no papel. Acho que, no fundo, ele queria que Cary Grant interpretasse Bond, mas Grant havia se aposentado e contratá-lo teria custado milhões.

Por fim, como você classificaria James Bond?

Como um sexy filho da puta!