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Elie Wiesel liderança solidão

A Conexão entre a Liderança, a Solidão e a Criatividade Segundo Elie Wiesel

O texto abaixo, sobre solidão e liderança segundo a perspectiva de Elie Wiesel, foi publicado originalmente no site The Marginalian.

“Você nasce sozinho. Morre sozinho. O valor do intervalo entre esses dois momentos reside na confiança e no amor”, escreveu Louise Bourgeois a um amigo, refletindo sobre como a solidão enriquece o trabalho criativo. Mas a solidão, em especial a mais fecunda criativamente, que o psicanalista Adam Philips chamou de “solidão fértil”, é apenas uma das formas de estar sozinho. O estado físico de estar só é também tingido pelas dramaticamente diferentes condições psíquicas de isolamento e solidão.

Em um belo ensaio esquecido intitulado “A Solidão de Moisés”, publicado na antologia esgotada de 1998 “Loneliness”, o sobrevivente do Holocausto e laureado com o Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel (1928 – 2016), examina uma face particularmente profunda da solidão: a solidão da liderança.

O problema geral da solidão

Wiesel começa com o problema geral da solidão:

A tragédia da condição humana é que, em questões essenciais, estamos condenados a estar sozinhos. Nós podemos tentar alcançar o outro, mas a tentativa raramente é bem-sucedida. O que é pior do que ser um o carcereiro do outro? É sermos o nosso próprio prisioneiro.

Ele considera os dois tipos principais de solidão. A primeira é a solitude, que pode ser uma fonte de autoconhecimento e fornecer energia vital para o trabalho criativo. A segunda, o isolamento, historicamente usado como uma ferramenta de opressão. Wiesel contrasta os dois:

Geralmente, a solidão e o isolamento andam juntos. No entanto, há uma diferença sutil entre eles. A solidão é muitas vezes voluntária, enquanto o isolamento não. O isolamento é compulsório, é algo muito próximo ao encarceramento, enquanto a solidão é buscada por poetas, pintores, músicos, sonhadores — em outras palavras, criadores. Criminosos se isolam em seus crimes, mas poetas libertam a si mesmos e suas palavras através e com a sua solidão.

A figura bíblica de Moisés

Wiesel aponta para os personagens da Bíblia — “um reflexo do atemporal no tempo”, repleto de sabedoria secular sobre a arte de viver — como representações arquetípicas dos problemas humanos mais duradouros, mas acima de qualquer outra coisa o problema da solidão: em Caim e Abel, a tragédia prototípica e definitiva da solidão entre irmãos; em Saul, a solidão em função da tristeza; no profeta Elias, a fuga da ira de Jezebel na solidão do deserto; em Jó, o sentimento de “estar trancafiado e sua própria dor”; e acima de tudo em Moisés. Assim sendo, diz Wiesel:

Eu poderia ter escolhido qualquer personagem da Bíblia no intuito de tratar ou de lidar com o problema da solidão, seja homem ou mulher. Ainda assim, selecionei Moisés porque, de todos os personagens bíblicos, é é o mais solitário. Todavia, mais do que seus predecessores ou seus seguidores, a sua solidão está ligada aos seus talentos extraordinários, virtudes e responsabilidades como líder supremo de nosso povo. Na verdade, ele incorpora o próprio conceito de liderança com seus triunfos coletivos e desilusões pessoais.

Em seguida, Wiesel considera o tipo peculiar de solidão inerente à liderança:

Naturalmente, um verdadeiro líder não pode funcionar sem aqueles a quem lidera. Da mesma forma, o líder não pode trabalhar ou viver em seu meio como um deles. Daí a ambivalência de sua posição. Em primeiro lugar, deve haver alguma distância entre o líder e os liderados. Caso contrário, o líder não será respeitado nem obedecido. Uma certa mística deve envolver o líder, isolando-o definitivamente dos demais. Há algum líder, aqui ou em qualquer lugar, que não encontre tempo para reclamar da terrível solidão nos momentos de decisão?

Wiesel, nesse ínterim, aponta para Moisés — “um homem que suportou provações e turbulências, desafios e tragédias sempre que necessário” — como um testemunho de outro elemento essencial da liderança: a disposição de não apenas assumir proativamente as responsabilidades que atraem as ambições de alguém, mas aceitar e se elevar às responsabilidades que recaem sobre alguém por circunstâncias indesejadas ou involuntárias. Ele escreve:

Aqui está o que distingue Moisés dos demais. Um homem da situação, ele sempre esteve lá quando isso se fez necessário, e se dedicou completamente à sua tarefa. Não tinha a ambição de se tornar um profeta, mas uma vez que se tornou um, ele foi o maior de todos. Jamais procurou o papel de líder político ou militar, mas uma vez que o assumiu, foi o melhor. Os filósofos diriam que, se um ser humano é o que ele se torna, Moisés foi um ser humano por excelência.

E ainda assim, Wiesel sugere, o mais solitário dos julgamentos do profeta é como Deus tende a deixar a maioria de suas perguntas sem resposta. Ele considera o possível moral da história de Moisés:

Será possível que as perguntas sejam mais importantes do que as respostas? Será que as perguntas são o remédio para a solidão? Afinal, aprendemos com a história que as pessoas são unidas por perguntas. São as respostas que as dividem.