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Literatura latino-americana

Os 5 melhores livros da literatura latino-americana segundo um especialista

O texto a seguir, que contempla os melhores livros da literatura latino-americana, do realismo mágico à agitação política, pertence a John King, professor emérito da Universidade de Warwick, e foi publicado no site Five Books. Caso seja fluente em inglês e deseje ler o original, clique aqui.

Quando fui para Oxford em 1972 para fazer um bacharelado em Estudos Latino-Americanos, realmente não tinha lido muita literatura latino-americana. Então, fiz uma viagem à Argentina no verão de 1973 para trabalhar em um escritor argentino, Adolfo Bioy Casares. Cheguei em um momento muito interessante e efervescente na Argentina, pois o ex-presidente exilado – Juan Domingo Perón – tinha voltado e todos estavam nas ruas. Conheci vários escritores, o mais famoso dos quais era o grande amigo de Bioy Casares, Jorge Luis Borges. Borges pode ser hoje uma estrela literária, mas naquela época ele era um homem idoso, um tanto tímido e isolado, que ficava encantado quando alguém lia para ele em inglês, pois era cego.

Vivi em um momento bastante peculiar na Argentina. Por um lado, testemunhei toda essa efervescência política e, ao mesmo tempo, havia esse escritor extraordinário confinado em seu pequeno apartamento, me fazendo ler poemas do século XIX, corrigindo-me quando eu errava as cadências em inglês e falando por cima de mim porque sabia tantos trechos de cor. O golpe no Chile aconteceu dois meses depois [em setembro de 1973] e encontrei vários refugiados que começaram a vir para o Reino Unido em 1974. Assim, me vi envolvido em algo que era ao mesmo tempo muito político e também muito literário.

Com base na experiência iniciada naquele período e adquirida ao longo de muitas décadas, reuni aqui 5 livros latino-americanos que considero imperdíveis.

1# OS CONTOS DE JORGE LUIS BORGES

A antologia de contos de Jorge Luis Borges inclui várias de suas famosas histórias curtas e também alguns ensaios fundamentais. Se você for pensar sobre a literatura latino-americana, Borges é sempre um bom ponto de partida. Mas, se você estiver procurando as vistas e sons de Buenos Aires, onde ele viveu toda a sua vida, não encontrará muito disso em suas histórias.

Há um famoso ensaio neste livro, O Escritor Argentino e a Tradição, no qual diz algo do tipo: “Por que nós, argentinos, sempre temos que escrever sobre a cor local? Por que temos, em nossa literatura, que estar vagando com gaúchos nas pampas, ou atolados nas favelas de Buenos Aires? Se você observar o Alcorão, notará que não há camelos nele [estritamente falando, isso não é verdade]. Nós, argentinos, podemos emular isso. Podemos simplesmente escrever boa literatura que não precise transbordar em cor local.”

O que eu gosto em Borges é a precisão aguda de suas histórias curtas, e as maneiras como ele lida com questões metafísicas e literárias complexas, mas tudo dentro dos limites de histórias lindamente elaboradas e muito organizadas. Ele realmente é alguém que ensinou toda uma geração na América Latina a escrever e a evitar descrições naturalistas intermináveis, concentrando-se mais em contar uma boa história. Eu acho que ele faz isso tão bem quanto qualquer pessoa que eu já li, e obviamente poder ler para ele foi um grande bônus.

A imagem mais marcante que tenho dele é a de sua paixão pela literatura, particularmente quando eu olhava em seus olhos luminosos que, mesmo ele sendo completamente cego, pareciam se iluminar quando ele falava sobre esta.

2# CEM ANOS DE SOLIDÃO, GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

Borges nunca publicou mais de quatro ou cinco páginas por vez, e seus narradores tendem a navegar por esse mundo mais abstrato da literatura e das ideias. Enquanto isso, o que García Márquez faz é contar uma história da história e cultura da América Latina do ponto de vista da pessoa comum. Ele consegue fazer isso através de um narrador impassível que consegue misturar o brutalmente real com o maravilhoso e narrar uma saga familiar que também é uma história da América Latina. O livro que escolhi para representar aqui a sua obra, Cem Anos de Solidão, realmente colocou a literatura latino-americana no mapa internacional porque é um romance que, embora profundamente latino-americano, é também acessível a todos os leitores.

García Márquez pertencia à escola do realismo mágico. Para aqueles que não estão familiarizados com o termo, eu diria que se trata do lugar onde a mente racional e realista ocidental colide com uma cultura popular muito mais oral. O que o realismo mágico faz é narrar eventos a partir de uma visão de mundo popular, mas dentro de um romance, que é uma forma racionalista ocidental. Assim, uma jovem pode ascender ao céu agarrando lençóis, porque é assim que as pessoas querem lembrar de seu desaparecimento. García Márquez é muito bom nisso, mas é uma fórmula muito difícil de se  seguir. Muitas pessoas tentaram emular seu estilo, sem muito sucesso. E o termo “realismo mágico” muitas vezes é usado de forma descuidada por críticos ocidentais para menosprezar a chamada literatura do “Terceiro Mundo”.

3# CONVERSA NA CATEDRAL, MARIO VARGAS LLOSA

Mario Vargas Llosa entrou no radar de todos quando ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2010.

Escolher Conversa na Catedral para compor essa lista uma escolha difícil, pois ele escreveu cerca de 14 romances. Isso sem contar que se trata de um escritor, que muda a cada livro escrito, adotando uma variedade de estilos diferentes. Mas, quando eu estava lendo sobre o Prêmio Nobel, descobri que todos os membros do comitê Nobel leram este romance enquanto deliberavam sobre o prêmio. E mesmo que eu tenha cerca de quatro livros favoritos dele, isso pareceu um bom motivo para escolher este. Conversa na Catedral representa um momento no final dos anos 1960 quando Vargas Llosa ainda estava muito comprometido com a esperança de uma mudança social radical na América Latina. Neste romance, ele analisa a natureza de uma sociedade corrupta, injusta e hipócrita que era o Peru de sua adolescência, sob um regime militar. Ele acreditava que, se fosse possível expor a natureza da corrupção, poderíamos superá-la e substituí-la por algo melhor.

Ele encontra maneiras de contar suas histórias que são realmente bastante extraordinárias em termos de sua arquitetura, sua complexidade formal e elegância. O título soa como um tópico religioso, mas na verdade a catedral acaba sendo um bar decadente no centro de Lima. O romance inteiro gira em torno de um jovem que aceita o fracasso social porque não suporta o mundo de seu pai e o mundo do ditador [Manuel Odría], então ele tenta se desvencilhar disso. Ele faz uma pergunta no início do romance, “Em que momento preciso o Peru se fodeu?” e o romance tenta responder a essa pergunta. O protagonista encontra alguém que costumava ser o motorista de seu pai e também, ele descobre, seu amante gay. Eles têm uma conversa ao longo de três ou quatro horas, e à medida que a conversa se desenvolve, ela vai e volta no tempo e envolve uma polifonia de vozes diferentes.

Vargas Llosa às vezes tem a reputação de ser um escritor “difícil” devido à magnitude de sua ambição. Mas isso é enganoso. Se você persistir, descobrirá que ele é um ótimo contador de histórias.

4# A HORA DA ESTRELA, CLARICE LISPECTOR

Ao escolher A Hora da Estrela, estou dando apenas um dentre uma miríade de possíveis exemplos da literatura escrita por mulheres na América Latina. Na época em que esses escritores masculinos estavam alcançando proeminência internacional nas décadas de 1960 e 1970, Clarice Lispector estava escrevendo, com muito menos alarde, contos muito interessantes, geralmente sobre uma crise na consciência de mulheres brasileiras de classe média.

O exemplo que escolhi é um romance muito curto e sua última obra publicada, escrita quando ela estava morrendo de câncer. Nele, ela retrata mulheres comuns no Brasil. Aquelas que são migrantes e vêm do Nordeste, chegam ao Rio de Janeiro e tentam se virar em empregos subalternos. A história, que é contada por um narrador masculino absorto em si mesmo, traça a vida e a morte precoces de Macabéa, uma jovem pobre do Nordeste que acaba no Rio trabalhando como datilógrafa. O interessante é que, através deste narrador masculino, que ao mesmo tempo despreza e é fascinado por sua criação fictícia, Lispector expõe a natureza da sociedade patriarcal no Brasil. Ela também evoca uma enorme ternura por mulheres que não têm voz e não conseguem dar sentido à vida, e mesmo assim seguem em frente. O livro tem apenas cerca de 100 páginas e é um romance realmente belo.

5# 2666, ROBERTO BOLAÑO

Esse é um livro ao qual continuo voltando porque é infinitamente fascinante. Roberto Bolaño é um escritor que encontrou uma maneira realmente importante de lidar com os horrores que as décadas de 1970 e subsequentes infligiram à América Latina. Se olharmos para Borges, García Márquez e Vargas Llosa, de certa forma eles cresceram em tempos de otimismo, de alto modernismo, com a esperança, pelo menos inicialmente, de que a mudança pudesse ser possível. Já alguém como Bolaño era um jovem na época do golpe chileno em 1973. Ele exilou-se no México e depois mudou-se para a Espanha, testemunhando o fim do sonho.

Ele começou a publicar a partir de meados dos anos 1990 e, em uma extraordinária onda de criatividade, produziu uma série de romances e contos curtos, um esplêndido romance chamado Os Detetives Selvagens e, finalmente, enquanto estava morrendo, escreveu este romance, 2666. São realmente cinco romances em um, contando várias histórias diferentes, mas interligadas, envolvendo críticos literários, escritores exilados e autores perdidos, todos envolvidos em diferentes formas de investigação. Todas as suas buscas os levam, e ao leitor, mais perto do que está acontecendo em um lugar chamado Santa Teresa – que é realmente Ciudad Juárez, no México, o coração das trevas e local do violento assassinato de centenas de mulheres. É uma descrição forense da morte violenta e uma exploração extraordinária do mal e do horror, mas também uma representação compassiva das vidas cotidianas. Bolaño é ao mesmo tempo um escritor muito literário e muito anti-literário. Ele oferece uma nova voz – sarcástica, desafiadora e às vezes lírica. Há algo como uma paixão por Bolaño entre os críticos hoje, mas, por uma vez, todo o alarde é muito justificado.